- Portugal tem muito a dever a eles.

Sérgio riu sem humor.

- Exatamente.

O marinheiro deixou Bernardo sozinho e foi gritar ordens com a tripulação. Preparavam-se para uma espera de ao menos uma hora enquanto o primeiro contato era feito no porto e permissão era dada para a aproximação final.

A espera durou bem mais. Bernardo contou o tempo em disparos de canhões. Perdeu a conta após a primeira dúzia.

Aportaram na Ilha das Cobras de onde podia ver claramente o edifício sobre a colina. Era, sim, um mosteiro no alto. Ouvia o som de sinos anunciando a hora da manhã. Abaixo da colina via uma grande quantidade de galeões até onde alcançava a vista.

O Rio de Janeiro parecia cercado por morros, todos eles ocupados de alguma forma. Além do morro do mosteiro um outro parecia repleto de casas. Um forte estava no topo, culpado por alguns dos muitos disparos. Outro ficava na ponta extrema, oposto ao mosteiro. Bernardo pensava ver lá outro mosteiro, ou talvez uma igreja. Nem os morros nem as árvores pareciam capazes de reduzir o calor que assolava aquele lugar.

O mesmo barco que levara a notícia de sua chegada levara ele e seus pertences na direção da cidade e, por um breve tempo, Bernardo ficou feliz em sentir a brisa do mar refrescando o corpo. Recusava-se a abrir a blusa como faziam os marinheiros, o que apenas tornava-a empapada de suor.

O barco desceu a costa passando pelos armazéns onde homens gritavam ordens em português, castelhano e inglês. Toneladas de fardos e caixas eram levadas de um lado para o outro. Na água outros barqueiros gritavam ordens para sair do caminho, não poucas em inglês. Sérgio respondia a altura com o palavreado típico dos marinheiros. Não recuou sequer uma vez, nem quando quase foram abalroados por um barco cheio de espanhóis mal encarados.

Atracaram nas escadas ao lado de um cais de pedra, diante de um chafariz que mais lembrava uma pequena casa. Negros recolhiam água em jarros e baldes, fazendo uma fila não muito ordeira. Espirravam água um no outro enquanto gritavam impropérios, rindo alto.

Um dos marinheiros saltou para os degraus de pedra às margens d'água e puxou o barco, segurando-o firme. Sérgio deu a ordem que tirassem de lá o baú com os poucos pertences do português, então ajudou-o a desembarcar. Bernardo sentiu que a bota ia escorregar na pedra molhada. Só lhe faltava passar todo esse tempo no Atlântico para mergulhar no mar ao por os pés em terra firme.

- Meu senhor?

Bernardo estacou surpreso ao ver o rapaz que o aguardava. Era um jovem de talvez vinte anos trajando as roupas da corte ligeiramente adaptadas ao clima da colônia americana. Usava um chapéu exagerado e uma jaqueta aberta, mostrando mais do peito do que se consideraria casto na terra mãe. Os olhos de Bernardo seguiram para o rosto do jovem. Tinha a pele escura, mas não negra. No entanto, tinha as feições de um branco e os olhos, verdes.

- Padre Bernardo Andrade?

Percebendo que estava encarando surpreso o jovem, Bernardo limpou a garganta e confirmou com um aceno da cabeça. Nem pensou em corrigi-lo a respeito do título.

- Fui enviado para buscá-lo.

Bernardo ficou incerto de como responder àquilo. Poderia ser um tipo de provocação? Enviar um mestiço para buscar após seis semanas de viagem? Bernardo olhou-o dos pés à cabeça. Ao menos parecia bem tratado demais para ser um escravo ou mesmo um liberto.

O rapaz tratou com Sérgio, confirmando para onde deveriam levar os pertences de Bernardo. O baú foi jogado nos degraus de pedra, fazendo a madeira estalar. Instintivamente Bernardo tocou o livro oculto no interior de suas roupas.

LaicusWhere stories live. Discover now