Capítulo VI

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— Então quer dizer que você tem sonhado com os Deuses? — Helena olhava para filha sentada no sofá, encolhida e fitando o chão. Alice estava bem ao seu lado, segurando as suas mãos e lhe passando força.

Lilith meneou a cabeça positivamente, receosa.

— Sim, mamãe — respondeu, evitando encará-la.

O semblante da mãe parecia tão preocupado que ela procurava não olhá-lo durante muito tempo. Que maravilha, mais pessoas para ficarem preocupadas e com pena dela. Se tivesse força o suficiente para segurar esta situação, nem mesmo Alice saberia. Como ela odiava perturbar os outros com os seus problemas! Alice sempre falava que ela era precoce neste aspecto, jamais encontrou outra criança com tanto problema em dividir suas próprias angústias. Só não tinha certeza se aquilo era uma vantagem ou não.

Helena levou as mãos trêmulas até a testa, massageando-a nervosamente. Se já não bastava a filha ter que sofrer com o preconceito nojento das pessoas de sua cidade, ainda teria que ser perturbada no único momento que deveria ser tranquilo.

A mulher tinha o cabelo curto e cacheado, uma mistura de cabelos negros e alguns charmosos fios grisalhos. Os olhos eram grandes e bondosos e o porte pequeno e frágil dava-lhe a aparência de uma mulher que precisava de proteção, que quebraria ao menor toque. Apesar da aparência, Helena era uma mulher forte, que sabia o que queria e lutava com unhas e dentes para proteger o que achava certo. Ter escolhido ficar com a filha menor era a grande prova disto.

A mãe tinha a mesma personalidade afável que as duas filhas, era preocupada e a típica "mãe-coruja". O trabalho a impedia de passar muito tempo e saber mais da vida das meninas, mas sempre que podia passava um tempo com elas, tentava ajudá-las como conseguia. Por ser ela sozinha que sustentava aquela casa, precisava estar sempre trabalhando, arranjando horas extras e bicos para conseguir segurar a casa e dar uma vida digna para as suas filhas. E, graças ao seu esforço maternal excessivo, acabava ficando longe das suas crias. Entristecia-se com isso, mas não se arrependia de suas escolhas. Não era uma mãe ausente, estava sempre lá quando elas precisavam, mas ao mesmo tempo também não era uma mulher que tinha todo seu tempo livre para as filhas.

Exclusivamente naquele dia, Helena não fora trabalhar. Não quando sabia que sua caçula estava sofrendo com a imagem daqueles Deuses malditos em seus pesadelos. Já fora um sacrifício não deixar Alice tão impressionada quando lhe fora contado, esperava ter que passar por aquele sufoco com Lilith só daqui a três anos. Nunca imaginaria que ela saberia tão cedo e que ficaria sonhando com Eles. Sabia de casos de crianças que acabavam conhecendo mais cedo, mas nunca ouvira nada parecido com o que estava acontecendo com Lilith.

— Isto é péssimo... Não estava na hora ainda, que droga... — a mãe ciciava para ela mesma, sentando na poltrona ao lado do sofá. Tinha que se manter calma, pois a filha já estava nervosa e amedrontada demais e não precisava de sua ajuda para piorar o seu grau de pânico. Só de olhar para aquela carinha de sono ela pôde perceber o quanto Lilith estava desesperada. — Lilith, provavelmente você não saiba, mas muitas crianças ficam sabendo dos Deuses antes da hora, assim como você — começou. Não a chamara para casa para ficar lamentando o infortúnio da filha a tarde inteira.

Lilith levantou a cabeça, surpresa. Em sua cabecinha infantil, ela era a única criança que tivera o azar de saber mais cedo sobre os Deuses. Jamais imaginaria que outras crianças também passavam por isso.

— Sério? — perguntou ansiosa.

— Sério. Nós, adultos, fazemos de tudo para vocês não saberem tão cedo, pois é muito traumatizante esse abuso de poder que nós, humanos, sofremos nas mãos Deles. — Fechou os olhos, enquanto ajeitava os cachinhos. — Muitas crianças sabem por ouvir a conversa dos pais, têm algum membro da família levado, pegam os livros didáticos dos irmãos mais velhos... — Helena ia enumerando com os dedos.

Oposição - Série Stellium [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora