A Presença

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Pelas venezianas do quarto de Thomas, o sol lança seus últimos raios de luz, fazendo com que partículas de poeira fiquem visíveis na semiescuridão do local. Veja bem o garoto que está deitado na cama, logo abaixo da janela: seus cabelos são castanhos encaracolados e rebeldes, grandes demais para um menino, é o que diz sua mãe. Seu rosto é delicado, sem muitas marcas de espinha, o que seria normal para um alguém na sua idade. Enquanto o sol se põe e a escuridão vai dominando seu quarto, ele começa a abrir os olhos e se mover com a letargia de alguém que acaba de acordar. Seus olhos são verdes e penetrantes e quando ele se coloca sentado na cama, vemos que é um belo garoto, prestes a completar seus dezesseis anos. Suas feições nos remetem imediatamente a um desses cantores de boy band, coisa que o próprio Thomas odeia, motivo pelo qual pensa constantemente em cortar os longos cabelos.

Esse é seu segundo dia de férias e ele está sozinho em casa, pois seus pais viajaram no dia anterior para visitar a avó que adoecera e não tinham data certa para voltar. A solidão é sinônimo de liberdade para Thomas. Ele se levanta da cama e caminha em direção ao banheiro refletindo sobre como é boa essa sensação de poder fazer o que quiser e quando quiser, sem ninguém a lhe dar ordens ou observá-lo constantemente. Agora ele se aproxima da pia de mármore do banheiro e se observa no espelho, tentando ajustar os cabelos desgrenhados, mas logo desiste e se abaixa para passar uma água no rosto oleoso, mal imaginando o quanto está sendo observado por você, meu querido leitor.

Ele se levanta, enxuga o rosto com uma toalha e sai do banheiro. O silêncio é tão dominante no apartamento, que seus passos parecem ecoar pela sala na medida em que caminha em direção à cozinha. Thomas não consegue ouvir nada além de seus pés descalços colando e descolando do chão e sua respiração ruidosa, mas você, se apurar seus ouvidos, perceberá que há algo a mais ali acompanhando os passos do garoto. Ouça bem o leve arrastar de pés que o segue, é um som quase inaudível, mas está ali, não é uma ilusão.

Preste mais atenção, tente ignorar os ruídos produzidos por Thomas, e você ainda ouvirá um ranger de dentes constante, um som aterrorizante, capaz de eriçar os pelos de seus braços e fazer com que um calafrio suba sua espinha. Talvez esse som não esteja no apartamento de Thomas, mas sim aí, logo ao seu lado, uma presença espiando por cima de seus seus ombros, curioso não com o que você está lendo, mas sim com o cheiro exalado por sua carne e o seu sabor. Mas não olhe para trás! Concentre-se em Thomas e, talvez, a criatura que agora te observa mude o foco de seu interesse.

Ele agora está abrindo a geladeira, procurando algo para comer. A cozinha é bem iluminada, com o piso de azulejo branco e bancadas de granito. Observe que Thomas está sozinho, mas no chão reluzente da cozinha não há apenas um reflexo, mas sim dois. O primeiro é do próprio Thomas, agachado para enxergar as prateleiras de baixo da geladeira, mas logo atrás dele há um outro reflexo, um corpo contorcido numa posição inumana. Sua cabeça tombada para o lado, como se o pescoço estivesse quebrado, revela um brilho amarelo no lugar onde deveriam estar os olhos. Sinta a maldade exalada por essas cavidades reluzentes, veja bem como a criatura, assim como você, observa Thomas com uma curiosidade mórbida.

O braço da coisa começa a se torcer em espasmos enquanto ela o movimenta em direção ao garoto. Ele ainda não consegue ouvir nada, mas para você o som de ossos quebrando e juntas estalando é evidente. Os dedos deformados estão agora encostando no ombro direito do garoto e começam a apertá-lo, distendendo seu braço com um inconfundível som de algo se deslocando. Isso só está acontecendo no reflexo do chão da cozinha. Acima dali, Thomas ainda está inteiro e tudo o que ele sente é um pequeno incômodo no ombro enquanto continua procurando pelo queijo na geladeira.

Involuntariamente, sua mão esquerda se direciona para o ombro direito e começa a coçá-lo. Enquanto ele faz esse simples movimento, ouça o som de carne rasgando e veja, no reflexo do chão, o braço do garoto ser arrancado pela criatura, veja o sangue escorrendo e empapando sua camisa sem mangas, o branco de seu tecido se tornando vermelho vivo. Veja aquela criatura repugnante levar o membro amputado em direção àquilo que deveria ser sua boca e ouça o insuportável som de sucção que ela faz na medida em que se alimenta. Perceba agora que o brilho amarelo que sai das órbitas de seus olhos está direcionado a você. Sim, meu caro leitor, é para você que ela olha enquanto se alimenta da carne de nosso protagonista.

A Presençaحيث تعيش القصص. اكتشف الآن