Capítulo 2

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Confesso que não sou um tecladista profissional, mas sei tocar algumas músicas e compunha por diversão. Fazia um tempo desde que parei de tocar. O ritmo fugia dos dedos e da cabeça. Tudo embaraçava e não saia algo bom. Levantei da cama e me preparei para o colégio. Procurei o meu caderno de composições e o coloquei dentro da mochila. Usaria o tempo livre das aulas para outra coisa, além de ler e ouvir música.

Já no colégio, comecei a escrever uns versos sobre ser uma pessoa confiante. O que eu queria ser e mostrar para quem fosse assistir. Vergonha para apresentar não era o problema. Meu único medo era de não ser bom o suficiente. Empolgado, cantarolei o primeiro verso que dizia mais ou menos assim:

"Se eu pudesse me tornar alguém, a escolha dependeria só de mim. As oportunidades estão bem na minha frente e minhas escolhas também. Quero encontrar quem sou por dentro. "

- Quer dizer então que você está compondo uma música? Não sabia que você era compositor. – Comentou Adrian.

-É... Na verdade, não sou. Faço só para mim. – Respondi meio constrangido.

- Cara, você tem que se apresentar no palco. Essa letra está ficando incrível!

- Estou apenas no começo. Ainda não terminei. Levarei um tempo para finalizar. Preciso de mais algumas ideias e inspirações.

- Se isso é o começo, mal posso esperar pelo que está por vir. É você quem vai cantar e tocar? – Questionou Adrian enquanto tentava bisbilhotar outra parte da letra.

- Estou pensando no caso. Tem um tempo que não treino os ritmos. Mas se o trabalho final ficar bom, pretendo me apresentar.

- Faça isso! Pratique o quanto for necessário. Estou torcendo para que dê certo. – Incentivou ele, de um jeito que me fez pensar uma vez mais e trabalhar duro para a possível apresentação.

- Obrigado pelo incentivo. Me esforçarei e darei o meu melhor para que fique tudo certo.

- Que isso cara. Não precisa agradecer. Você já me ajudou várias vezes com os estudos. Se precisar de ajuda em algo é só falar, combinado?

- Okay. Aviso sim. - Agradeci novamente e voltei a me concentrar.

Será que isso foi um sinal? Ele realmente gostou do que escrevi?

Bom, não está tão ruim pelo que parece. Do outro lado da sala, Amy olhava para mim e desviava o olhar. Era como se quisesse dizer alguma coisa. Estava preocupada com algo. Mais quieta do que o normal. Pensativa. Ela não costumava ficar assim. Ela era o tipo de garota que conversava com todo mundo. Não por ser popular, mas por educação. De aparência, não era nem feia nem bonita. Tinha cabelos escuros, olhos grandes e verdes e um sorriso encantador. Usava sempre o mesmo batom, rosa chiclete. Ele realçava seu sorriso e combinava com o lápis de olho levemente marcado, que faziam seus olhos parecerem maiores do que já eram.

Steve era muito a fim dela, isso chegava a ser óbvio. Uma vez durante os jogos internos, ele se declarou no microfone com a voz falha. Segurava um buquê de rosas brancas e cor de rosa. Típica cena de filme. Ela se aproximou dele, aceitou o buquê enquanto a galera gritava "Beija! Beija! Beija!". Abraçaram-se e depois saíram do local. A conversa que rolava no corredor, era de que eles foram para um lugar mais calmo para conversarem e ela não quis nada com ele. Nem um beijo. Só aceitou o buquê por que não queria envergonhá-lo no ginásio. Quando esse boato se espalhou, as meninas se espantaram com a atitude de Amy. Quase todas disputavam a atenção dele e ela simplesmente deu o fora. Ele era o garoto mais cobiçado do terceiro. Provavelmente por ter uns músculos a mais que os outros garotos, mas faltava cérebro. Não faço a mínima ideia de como ele conseguiu chegar ao último ano.

O pessoal começou a cantar músicas para passar o tempo e treinar para a apresentação. Carly levara o violão de seu pai para improvisarem o som. Como não sabia todos os acordes, deixou outro aluno tocar. Adrian me chamou para participar da bagunça que estava começando. Recusei no primeiro momento mas depois aceitei. O clima melhorou quando começaram a cantar 'O Tempo Voa' do Lulu Santos, a abertura da versão antiga da novela Malhação. Como eu gostava dessa música! Pela primeira vez me senti parte da turma. Pelo menos uma coisa em comum (mas continuava não gostando deles). Cada um cantava um trecho.

"Eu vejo a vida melhor no futuro. Eu vejo isso por cima de um muro. De hipocrisia que insiste em nos rodear".

Fez-se um breve silêncio e ninguém continuou. Tomei frente e cantei por impulso.

"Eu vejo a vida mais clara e farta. Repleta de toda satisfação, que se tem direito, do firmamento ao chão". Alguns se entreolharam e Amy continuou.

"Hoje o tempo voa amor. Escorre pelas mãos. Mesmo sem se sentir. Que não há tempo que volte amor. Vamos viver tudo o que há pra viver. Vamos nos permitir."

Que voz linda! Não sabia que ela cantava tão bem assim. Meus pensamentos foram interrompidos pela cantoria do pessoal.

"Hoje o tempo voa amor. Ô-Ô-Ô".

Ao término. Todos aplaudiram e assoviaram no final, comemorando o sucesso. Adrian comentou sobre minha voz e disse que eu só perdia para Amy. Todos riram. Sugeri então que ela cantasse um solo para comprovarmos. Ela escolheu 'Along the Road' de Karmin. E foi incrível. Os que sabiam a letra acompanharam baixinho, quase como um coral. Durante o refrão ela se sentiu mais confiante e soltou a voz.

*"All the words we never said. All the crazy things we did. Keep on playing in my head. And although this is the end. Brokenhearted are made to mend, and I know we'll meet again, along the road".

*Tradução: "Todas as palavras que nunca dissemos. Todas as coisas loucas que fizemos. Continuam na minha cabeça. E depois saberemos que é o final. Corações partidos foram remendados. E sei que nos encontraremos de novo ao longo do caminho".

Todos aplaudiram e ficaram encantados com o talento de Amy. Com certeza aquilo era um dom. Voltaram a atenção para mim e disseram ser minha vez. Escolhi "O Mundo Vai Mudar" da Banda Hewie. Fui acapella mesmo, sem instrumento para acompanhar. Só a voz. Até por que meu teclado não estava ali e não sabia tocar violão. O ritmo veio das palmas e estalar de dedos.

"O som de cada voz nos roubou, nos roubou, o direito de nós. Tudo o que estava só, apareceu enfureceu o descanso do sol. Vou continuar aqui, para ver tudo mudar".

Terminei de me apresentar e ninguém reagiu. O silêncio reinou na sala. Por um instante, quase me escondi dentro da blusa de frio, mas surpreendentemente, aplaudiram calorosamente. Era uma sensação nova. Eu não sabia se estava envergonhado ou alegre pelo acontecido.

- Pessoal, não é pra tanto. Não sou tão bom assim.

- Que nada. Até vejo a sua apresentação entre as melhores. – Comentou Adrian. Ele está escrevendo uma música. Se em cover já foi ótimo, imagina de autoria própria...

- É... – Falei envergonhado. Não quero que criem expectativas sobre mim. Não sei se consigo terminar a tempo. - Enquanto isso, Steve me encarava e mexia no celular, certamente trocando mensagens com alguém.

- Você é muito bom nas coisas que faz. Não entendo por que não nos mostrou seu lado musical antes. - Carly falou sorridente como sempre.

- Tudo tem seu momento. – Ironizei.

O alarme soou anunciando o fim da terceira aula. Ao invés de irmos para o intervalo, fomos dispensados. Peguei minhas coisas e saí da sala.

- Mal posso esperar por amanhã. Será um grande dia. – Comentou Amy se afastando enquanto passava pela minha carteira.

- Assim espero.




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