ESCRITOS EM PAPEL DE PÃO

ME OFENDEU... MANDO PRESENTE, ORA SE NÃO MANDO. MANDO SIM SENHOR.

Quando eu tinha treze anos estudava com a Maruca e dei de me enrabixar pelo guri mais bonito da turma, o Caco, mas ele só tinha olhos para a Maria Marla que tinha os cabelos acobreados e cheirava bem e que depois virou até delegada, mas acho que não era das boas pois deu de se enfiar numa cidadezinha de gente mui perigosa. Lá as pessoas sumiam e ninguém nunca dava fé nem do corpo dos viventes. Mas eu nem vou tocar nesse assunto porque gosto muito de viver, posso até não ser bonita, mas pelo menos estou viva. Bem feito pra ele que ela, a que virou delegada, nem nunca quis saber de se acolherar com ele um só vez na vida. Ele era mui bonito, uma boca bem feita, cabelo de bom corte, era bem limpinho, roupas sempre da moda e ria dos nossos cabelos arrepiados ( Os meus e os cabelos da Maruca). Eu tenho que me rir. A Maruca era pobre que nem rato e acabou trabalhando pra um jornal de direita, mas ela sempre repetia: eles pagam o meu salário, mas não compram meus ideais. E ele, o bonito, virou esquerdista. E a que virou delegada, nunca mais que eu cheguei perto, que gente rica só chega perto de pobre na missa ou em campanha eleitoral. Um dia eu fiz uma poesia e era perto do natal e como eu não tinha coragem de entregar pra ele, passei o escrito no mimeógrafo e dei como mensagem de fim de ano pra toda a turma da oitava série. Eu até fiquei feliz que ele leu e guardou no meio do caderno e nem rasgou e nem me humilhou. Mas antes disso, lá pelo mês de setembro, eu já sabia que estava de recuperação em matemática e a professora era uma vaca, era sim senhor, que obrigava a gente a decorar a fórmula dos produtos notáveis e a de báscara e eu e tenho raiva disso até hoje, tenho sim senhor, e muita. Era aniversário da maldita e eu comprei um lindo buquê de flores pra infeliz e coloquei um sapo vivo no meio das flores e a professora pegou o regalo e o bicho saltou todo feliz em cima da classe. Foi um rebuliço tão grande que até a delegada, que ainda não era delegada, subiu em cima da classe e eu ri muito, mas muito mesmo e até quase me urinei. A Maruca ria que até chorava de tanto rir. Fiquei de castigo embaixo da escada por uma semana e gostei tanto da ideia que mandei o sapo pra ele também, mas como não me identifiquei , que fiquei esperta, depois do castigo, ele nunca descobriu. Depois quando fiquei mais taluda, continuei com o mesmo pensamento: me ofendeu... MANDO PRESENTE SIM.

Se eu fosse bonita ia casar e ter quatro filhos, se fosse feia ia ser professora e se tivesse oportunidade ainda podia ser atriz, podia sim senhor, que conheço muita gente feia que que até faz sucesso.

Quando eu era moça, de pernas bem feitas e peitos bons, me apaixonei por um moço que era jornalista, ele tinha cara de sujo, mas eu gostava dele, acho até que nem tomava banho, mas eu gostava das ideias dele, que ele era ateu e se acolherou com uma moça na sacristia, ele tinha cara de pateta, retardado, mas eu gostava dele e fiquei me refestelando e ciscando na volta até que ele começou a se interessar e a gente teve um bom tempo de sem-vergonhice e eu até me apaixonei, me apaixonei sim senhor, que gente feia também tem os seus sentimentos, ora se não tem. Então convidei o moço pra almoçar na minha casa. Eu já morava sozinha, podia ter certas liberdades e caprichei na cozinha e fiz até sobremesa e o desgraçado, o infeliz não apareceu, não mandou recado, não telefonou e eu chorei muito, fui na casa da vizinha, que tinha uma filha esquizofrênica e roubei o remédio da doente e tomei uns cinco e nada de pegar no sono. A raiva crescia e eu chorava e babava e espumava de tanta raiva, eu queria cortar o saco dele, mas sabia que não podia, pois ia ser presa e é muito melhor ser feia e ser livre do que ser feia e presidiária. Então comecei a alucinar e imaginar mil cousas e coloquei todo o almoço dele dentro de uma bacia onde eu fazia os meus pés e coloquei no sol pra fermentar e nada do sono chegar e eu enxergava Medeia entregando pra ele o manto dos fogos inextinguíveis e ele ali, ardendo e torrando e sem saco e eu mais chorava, e espumava e bufava de tanta raiva. Tomei mais uns cinco comprimidos e acordei três dias depois, com um gosto de podre na boca e um aperto na alma. Abri a janela e lá estava a bacia no pátio, no olho do sol. Não tive dúvidas: peguei uma sacola velha e alaranjada, coloquei a bacia dentro, chamei um moto –taxi e mandei entregar no serviço do animal. Ele até chorou. Me telefonou e me perguntou por que eu tinha feito isso e eu respondi que era por preocupação. Ele não apareceu pro almoço... podia estar com fome. Anos mais tarde li que umas atrizes da minha cidade estavam pedindo que enviassem pra elas alguma loucura que a gente já fez por amor e eu mandei essa história que foi encenada por elas e eu gostei muito, E comigo é assim; ME OFENDEU... MANDO PRESENTE, ORA SE NÃO MANDO. MANDO SIM SENHOR.

-II