Prólogo: Tempos de neve

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Não há muito tempo, mas quando os dias eram curtos e frios, e as noites longas e sombrias ─ quando o inverno, com todo o seu gelo e neve, invadia verões e outonos e primaveras ─, quatrocentos dias por ano em frio cortante.

Quando a escuridão de uma manhã trazia a morte e a desgraça.

Quando Torrent ainda era um reino ameaçado pelo poder de mais um maligno feiticeiro do inverno.

Foi numa dessas manhãs de inverno que o Rei Felipe, da antiga dinastia de Torrent, partiu com mais dois mil homens em meio ao frio e aos mais cruéis ventos, jurando que poria fim à ameaça de Salazar ou morreria na tentativa. Em casa, deixava a esposa, grávida e à beira do parto.

Espadas embainhadas, machados apoiados nos ombros, arcos atravessados no tórax. A partir daquele momento era vida ou morte, glória ou submissão. Uma batalha nunca é fácil, e uma guerra sempre tem o seu preço.

Um juramento é um juramento, e tudo o que se promete deve ser cumprido. Então, mesmo depois de dias de caminhada constante, todos os homens estavam prontos para a batalha. E, como tudo tem um preço, o da glória é ainda mais amargo.

No mesmo momento em que o machado de guerra do Rei descia no pescoço de Salazar, Adina ─ a Rainha ─ deu à luz a duas belas garotas apenas para morrer logo em seguida.

O inverno se desfazia em todo o reino, e já era primavera quando o Rei chegou à capital com o que sobrava de seu exército.

Primeiro, a notícia do nascimento das filhas o fez muito feliz, mas a seguinte impossibilitou qualquer tipo de alegria. Logo ele, tão poderoso feiticeiro do outono e tão capacitado com feitiços de cura, não estivera lá para impedir a morte de sua amada.

Às garotas chamou Analice e Ariane ─ assim como Adina queria ─, ambas com a pele incrivelmente branca e os cabelos pretíssimos. A única coisa que as diferia eram os olhos: enquanto a primeira possuía-os negros com uma fina linha dourada circunscrevendo a pupila, a outra tinha essa delicada circunferência na cor prateada.

Tão lindas eram as duas, mas eram órfãs de mãe e possuíam um pai ausente, que se mostrava constantemente doente desde que voltara da guerra.

Exatamente por isso Felipe não demorou a voltar a se casar, tomando por esposa Emelinda ─ poderosa feiticeira do verão e filha mais nova do Duque Edmundo, do ducado de Placet.

Emelinda tornou-se rainha e tratava as filhas do Rei tão bem quanto a própria mãe dessas faria. Entretanto, há quem dissesse que sua relação com o Rei não era das melhores ─ fria como o inverno de Salazar, diziam ─ e essa era a explicação dada ao fato de que os dois jamais tenham tido filhos no tempo em que permaneceram juntos.

Ao mesmo tempo, tão imerso em depressão como se encontrava, o Rei não tardou a se juntar a sua primeira e única amada no reino dos deuses, deixando em terra ambas as filhas, que foram criadas sob a proteção da madrasta.

Emelinda, a feiticeira do verão, a partir daquele momento passou a ser chamada também por rainha regente, e ocuparia aquele cargo até que as princesas estivessem devidamente crescidas e educadas para governar.

Não eram anos fáceis para Torrent, mas até então eles já haviam sido piores.

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