PRÓLOGO

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Emily Brant ajeitou o cobertor fino e sujo sobre a criança febril que dormia em seus braços. O ar noturno era gelado. Havia uma semana, antes de começar a dormir nas ruas para estudar os sem-teto, acreditava que Los Angeles era sempre quente.
Mais um de seus muitos enganos, ela pensou cansada, buscando uma posição mais confortável. Seus braços doíam com o peso da garotinha. Isso tudo era muito mais difícil do que jamais imaginara. Gostaria de desistir da tese, de voltar para a Califórnia e para o seu confortável emprego de verão como babá, mas não podia. Não agora. Não depois de passar uma semana com Carmen e Helga sob aquela ponte miserável. As duas precisavam dela.

— Como está a menina? — Helga, conhecida nos círculos dos sem-teto como a dama de plástico, moveu a cabeça sob o poncho de sacos de lixo e olhou para a órfã.

Emily pousou a mão sobre a testa da criança.

— Não sei — admitiu. — Pode ser apenas um resfriado, mas... pode ser coisa pior. Ela precisa de um médico.

Helga praguejou como um marinheiro e balançou a cabeça.

— Espero que não seja pneumonia. Essa coisa mata — ela resmungou, antes de mergulhar a cabeça no saco de lixo que servia como agasalho.

Emily franziu a testa. Sabia que a situação ainda não era tão ruim, mas ficaria pior se não fizesse alguma coisa. A menina de oito anos balbuciou frases sem sentido, metade em espanhol, metade em inglês, e Emily arrependeu-se mais uma vez por não ter trazido ao menos um cartão de crédito.

Não, quisera garantir a autenticidade de sua pesquisa. Essa havia sido sua promessa à universidade, e isso era exatamente o que faria.

Ninguém poderia reclamar de falta de autenticidade, ela suspirou, apoiando as costas no concreto frio que agora chamava de lar. Seu estômago roncou mais uma vez, lembrando-a que, com ou sem autenticidade, tinha de fazer alguma coisa para conseguir comida para as três. E remédios para Carmen.

Passando as mãos sujas pelos cabelos emaranhados, Emily suspirou. O que poderia fazer para conseguir dinheiro? Onde poderia buscar ajuda? Pensou em pedir auxílio num dos abrigos locais, mas sabia que todos estavam lotados, e ela e as duas companheiras estariam novamente nas ruas antes que percebessem o que havia acontecido. E, de acordo com Helga, Carmen já estivera em quase todos os orfanatos da cidade.
A nuvem negra e grossa de poluição invadiu mais uma vez o vão sob a ponte e Carmen gemeu em seus braços. Emily olhou para a velha Helga, cercada por sua montanha de plástico, e soube que, se queria mesmo conseguir alguma ajuda, teria de entrar em ação.

Ajeitando Carmen nos braços, Emily apanhou seu diário, o único bem que trouxera a Los Angeles, além das roupas do corpo, e abriu na página do dia. Usando a caneta que deixava presa à espiral, ela escreveu:

Quinta-feira, 21 de julho. Quase meia-noite.

Querido diário:

Por mais que odeie admitir, meu entusiasmo por este projeto está se esvaindo. Neste lugar, sinto-me impotente e abandonada pela sociedade, o que, imagino, é um sinal de que meu experimento está surtindo resultados.

Esta semana vi tantas doenças, crimes e desespero, que imagino que diferença meu pequeno projeto pode fazer. Aprendi, entretanto, que mesmo na mais infeliz das situações existe beleza.

Carmen é adorável, apesar das circunstâncias. Brincalhona e alegre, e surpreendentemente bem ajustada, considerando-se a tragédia que ela já suportou em seus poucos anos de vida. E Helga, embora rude, tem um coração terno. Desconfio que ela não esteja bem de saúde; sua tosse rouca às vezes me assusta.

Hoje, Carmen está febril e completamente apática. Tenho de conseguir comida e remédios depressa, ou não sei o que poderá acontecer a elas.

Farei o que for necessário para obter trabalho ou dinheiro. Esgotarei todas as possibilidades sem pedir a ajuda dos amigos e colegas, e depois, se não conseguir nada, telefonarei para minha irmã Erica e pedirei que envie algum dinheiro. Mas só como último recurso. Ainda tenho a intenção de preservar a integridade deste projeto...

Helga espirrou e tossiu no momento em que Emily concluía o último parágrafo. Sim, ela resolveu, fechando o diário com determinação. No dia seguinte daria um jeito de conseguir comida e abrigo para essas duas pobres almas que aprendera a amar.

Esposa Temporária (Completo)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora