06 - A Sorte Está Lançada

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 - Ai, tá me machucando!

Ruth gemia, gritava, quase esperneava, mas com Cardoso não havia acordo.

- Eu sei perfeitamente o caminho! - ela tentou se desvencilhar da mão firme do segurança. - Me solta, seu grosseirão!

Ruth nem teve tempo de disparar o primeiro xingamento que lhe veio à mente. Estancando à porta, Cardoso lançou o corpo da secretária como quem joga um saco de lixo.

Ela rolou meia dúzia de degraus e, literalmente, beijou a calçada. Possuída por uma fúria vingativa, ergueu-se lentamente para encarar o segurança às suas costas. Endireitou o corpo e, sem pensar duas vezes, mandou-lhe uma "banana", para em seguida dar uma levantada no bojo do sutiã e seguir seu caminho.

- Merda! - ela recitou como um mantra enquanto se arrastava pelas calçadas.

A segunda-feira amanheceu agitada no apartamento dos Taveirós.

- Não pense ele que as coisas vão ficar por isso mesmo!

Lucas respirou fundo, preparando-se para mais um chilique de Gigi.

- Brincou com fogo, agora vai carbonizar!

Ele levantou-se pacientemente, deixando o documento em suspenso, e caminhou em direção à irmã. Lucas Taveirós não tinha preocupações financeiras, bem como Gigi. Os dois eram herdeiros de uma das maiores fortunas do país, grande o bastante para que não precisassem pegar no batente até o fim de suas vidas. Gigi levava à risca tal filosofia, preocupada em gastar sua parte em compras e tratamentos estéticos duvidosos, enquanto Lucas dedicava seu tempo ocioso à coluna social de um dos maiores jornais do Brasil.

- Se me permite um comentário, caríssima irmã... - ele fez uma pausa dramática. - Não sou adepto de filosofias místicas, mas estava escrito nas estrelas que este relacionamento jamais daria certo. Júlio foi tarde. Você já não está mais na idade da loba, sabia?

- Mas pelo menos ainda não cheguei à idade da tartaruga, como você. - ela continuou. - Sei muito bem o que aquele ingrato está pretendendo. Mas euzinha farei com que ele perceba o tamanho da idiotice que é o nosso divórcio!

- Que divórcio, Gigi? Você nunca foram casados. Não oficialmente...

- Esse foi o meu erro! - Gigi parecia surtada, elevando os braços. - Consertaremos tudo assim que o Júlio voltar pra casa. Ele desfaz as malas e a gente troca alianças, diante de um juiz de paz!

Lucas se rendeu.

- Você disse que sabe muito bem o que o seu ex está pretendendo. Como assim?

- O lindinho saiu daqui tão apressado que nem deve ter pensado nas intimidades que dividimos durante anos. - ela sorriu. - Entre elas, a senha do e-mail. Coisa básica. Aparentemente, ele não tinha nada a esconder. E eu continuaria acreditando cegamente nisso, não fosse a mensagem absolutamente pervertida que descobri entre um spam e outro! Mas eu vou dar um jeito nisso. Ah, se vou!

Lucas observou com um misto de pena e indignação enquanto a irmã se retirava para o corredor, batendo os saltos dos sapatos com toda a força que a fúria lhe permitia.

Então, inspirando e expirando sem pressa, ele retornou ao trabalho. Acomodou-se diante do monitor e releu calidamente a manchete:

"Ex de Maria Salles assume paternidade após 5 anos: Teste de DNA confirma filiação de Rodrigo, único filho da cantora"

Tratava-se de uma simples e habitual revisão de texto, mas Lucas ressentia-se por qualquer coisa que não estivesse satisfatoriamente redigida na notícia. No fundo ele sabia que não era a disposição das palavras, as sentenças e muito menos ortografia.

Ele se sentia impotente diante da foto em que a cantora, seu ex-namorado e o pequeno fruto de um relacionamento tortuoso apareciam sorridentes depois da aparente resolução. Um final relativamente feliz em comparação às tantas rupturas drásticas e sofridas no mundo das celebridades. Mas a comoção de Lucas se dava por outro motivo.

Uma nuvem de lágrimas formou-se de repente em seus olhos. A matéria suscitara nele memórias que queria manter soterradas, mas não conseguia esquecer. Era um passado triste, o que ele vivera. De repente viu-se novamente há décadas, no banco de praça em que a ruptura definitiva acontecera. Viu a jovem grávida, e viu-se um perfeito covarde que, nada disposto a assumir o filho, chegou a levantar desconfianças antes de dizer-lhe adeus.

Lembrava-se de cada detalhe daquela noite, e quase chorou, mas se deu conta de que tinha um trabalho por finalizar.

A sala estava quente e aconchegante. Charles serviu uma xícara de café para cada um dos convidados e posicionou-se ao lado de um arranjo de azaleias.

- Ora, vejam. Não é que vieram mesmo? - Cindy entrou no cômodo atrás de Nice. - Sejam bem-vindos à minha casa. Acredito que todos, à exceção do Jim, já tiveram a oportunidade de conhecê-la.

Ao ouvir seu nome, o modelo lhe lançou um sorriso enigmático.

- São muito bonitas, Cindy. - ele observou. - A casa e a dona.

Cinderela sorriu com falsa modéstia e, então, posicionou-se no centro do círculo de poltronas.

- Nosso jogo funcionará da seguinte maneira... - ela começou, sem cerimônias. - Em primeiro lugar, devo avisar que não há regras fixas. Todos ficarão hospedados, em seus respectivos quartos, por tempo indeterminado. O contato com o mundo exterior será limitado: nada de internet, passeios no parque, na rua ou no supermercado. Sem conversa fiada com os vizinhos. Vocês terão tarefas e dasafios a cumprir e, em caso de recusa, estarão sujeitos a uma queda drástica no número de pontos ou mesmo à desclassificação. Meus empregados, familiares e visitas deverão ser tratados com respeito incondicional. E lembrem-se: todos vocês estarão sendo observados, mesmo sem perceber.

- E como funciona o sistema de penalidades? - Júlio parecia lidar com a situação com mais naturalidade que os demais.

- Eliminações podem ocorrer a qualquer momento, pelos mais diversos motivos. - Cindy sorriu. - Procurem não causar problemas demais.

Os homens se entreolharam. Júlio e Jim pareciam realmente ávidos pelo "prêmio final", enquanto a expressão de Fernando rotulava todo aquela situação como "absurda" e Manuel se mostrava desconfortável, apesar de ambicionar a vitória tanto quanto os adversários.

Cindy sentou-se numa poltrona à frente deles, cruzando as pernas.

- Estão todos de acordo? - ela assistiu, satisfeita, aos gestos afirmativos dos quatro. - Alea jacta est*!

(*Expressão latina que significa algo como "a sorte está lançada".)

Gato BorralheiroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora