#1 Achiara

36.2K 2.1K 183
                                    

-A história é narrada pela Kalena-

—Sim tia, entendi. -suspirei ao telefone- Entendi, não vou esquecer de alimentar o gato, tudo bem, também te amo, um abraço. -desliguei-

Minha tia é provavelmente tão neurótica quanto minha mãe era. 

Depois de quatro anos perambulando entre casas de parentes e lares adotivos, encontrei estabilidade com minha tia Ellen. Ela é uma mulher muito trabalhadora e ocupada que fixou residência em uma cidadezinha bem monótona, chamada Achiara. O lugar possui pouco mais de quatro mil pessoas e, apesar de parecer muito, é um local grande, casas e estabelecimentos ficam bem distantes uns dos outros. Mesmo assim, a maioria das pessoas se conhecem. 

Vivo em Achiara fazem quase três meses e comecei a frequentar a uma das únicas escolas secundárias da cidade, a Arion High School, há uma semana. Nesse mísero tempo, a maioria das pessoas já sabiam quem eu era. Os alunos, professores, os responsáveis da cantina, os zeladores e os funcionários da escola em geral. Era bem desconfortável andar por ai sabendo que todos a minha volta conheciam a história trágica do acidente dos meus pais e da minha trajetória jurídica em busca de uma casa. 

No início eles me olhavam de uma forma que eu tentava distinguir entre pena e curiosidade. Ou os dois, mas com o passar dos dias, fui me tornando apenas mais uma aluna da cidade. Principalmente porque eu não tinha habilidades sociais realmente desenvolvidas. Ainda sim, fiz uma amiga com quem pude conversar um pouco e me sentir compreendida. O nome dela é Lucy. 

Lucy se aproximou de mim de forma espontânea no meu quarto dia na Arion. Eu estava almoçando sozinha na parte externa da escola e ela me ofereceu café, dado a ela, secretamente, pela moça da secretaria. "Que tal um cafézinho novata? Temos Geografia juntas, vai ser ruim se você dormir, o professor vai te marcar para sempre", ela disse. E desde então temos um contato bem próximo. Lucy não é amiga de muitas pessoas na Arion, já que ela reprovou dois anos, mas tem amigos mais velhos que já se formaram. Ela tem a personalidade parecida com a minha, apesar de sermos completamente diferentes em questão de aparência.

Na verdade, não me assemelho a ninguém na Arion, sou ruiva e tenho o rosto carregado de sardas. A maioria das pessoas aqui tem cabelos escuros, e alguns loiros, então se você ver uma cabeça laranja numa multidão, provavelmente será a minha. Além disso, eu sou o tipo de adolescente melancólica que lê histórias meio filosóficas e gosta de filmes Cult, o que não parece ser o entretenimento dos jovens por aqui, já que a maior parte está mais interessada em dar festas e conseguir substâncias ilegais.

Não que eu não goste de festas, na verdade eu tinha muita vontade de ir em alguma, uma vez que, boa parte da minha adolescência, eu nunca frequentei nada do tipo. Não queria que os meus familiares pensassem que eu fosse uma pessoa que iria incomodar e dar trabalho, queria que me achassem exemplar e não uma adolescente problemática.  Mas isso não serviu de nada. 

Então, apesar de ter estabelecido uma personalidade mais calma, eu ainda queria ter meu tempo perdido de adolescente, e eu ia fazer isto agora. Mesmo tendo meu início antissocial, estava procurando um desfecho no qual pudesse relembrar com Lucy, daqui um tempo, nossas loucuras no último ano da escola. Eu tinha dezoito e morar com tia Ellen era tudo o que eu poderia querer, porque ela era muito ocupada, mesmo sem ser negligente. Ela me dava liberdade e espaço para fazer minhas escolhas, então eu não teria que explicar todas essas coisas.

É terça-feira de manhã, o dia está frio e nublado, como sempre. 

Coloco meu moletom e o casaco impermeável, calcei os coturnos e peguei a mochila para mais um dia na Arion.

Tia Ellen costuma fazer viagens a trabalho com muita frequência. Dessa vez foi uma interestadual. Ela me deixa usar seu carro mais simples, já que tem tem dois:

A SUV prata, com a qual foi viajar e um carro de passeio tom areia com suspensão alta, que estou dirigindo agora. 

—Fogosa -acenou Lucy encostando no capô do meu carro-

—Bom dia Lu -sorri fechando a porta-

—Anda logo, vamos tomar café na lanchonete. -Lucy me apressou-

Enquanto ríamos um carro preto cantava pneu no estacionamento da escola. 

O motorista parecia estar vindo em nossa direção e eu achei que ela iria parar na vaga próxima ao meu carro. Mas quando ele acelerou e não mostrou intenção de manobrar, dei um puxão em Lucy para evitar uma colisão, no momento em que ele aproximou de nós

—Você está bem ? -perguntei-

—Sim -ela sorriu- Não se preocupe -colocou o cabelo atrás da orelha-

—Vamos avisar esse maluco para voltar para a escola de direção. -puxei Lucy comigo, no entanto ela recuou e balançou a cabeça-

—Não precisa Kal, estou bem. -ela deu um sorriso forçado e saiu andando- Vamos para a lanchonete.

Eu não entendi porquê a resistência em tirar satisfações com um cara que quase a atropelou, mas preferi guardar minhas dúvidas para mim e não incomodá-la.

Depois do rápido café com Lucy, estava na hora de fazer o que realmente se faz em uma escola.

Ter aula.

Na primeira aula do dia, eu ainda não havia notado, mas havia uma pessoa diferente na sala. E quando eu digo diferente, significa que durante toda a primeira semana de aula, ele não havia estado lá. Ficou em um canto isolado de capuz preto e eu não sabia dizer se ele estava vendo a aula ou apenas existindo, esperando que aquele tormento acabasse.

Nas poucas vezes que olhei para trás, tentando identificar alguma característica física do rapaz, percebi apenas que era alto, sua pele era morena e tinha olhos que transitavam entre castanho e verde. 

Perguntar não ofende, e principalmente numa escola pequena como a Arion, notícias voam e todo mundo sabe de tudo. Bastou eu dizer "cara estranho sentado no fundo", que as garotas digamos "fascinadas pela vida alheia", sabiam de quem eu falava, e fizeram o que mais gostavam, fofocaram.

Então eu descobri que ele também era o dono do carro preto, que quase atropelara Lucy de manhã.

Porém, ao contrário do que pensei, elas falaram bem dele.

Disseram que era um aluno que nunca ficara com notas baixas, apesar das faltas, e era misterioso, mas não de um jeito ruim, e sim, de um jeito bem sexy.

Fadada ao AlphaOnde histórias criam vida. Descubra agora