Capítulo 1: Garotas só querem se divertir (?)

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Dei aquela olhada no espelho e a vontade que tive foi de desistir de tudo. Meu cabelo tinha tanto frizz que eu parecia ter enfiado o dedo na tomada e aquele batom vermelho me fazia sentir a Joelma do Calypso. Mas era tarde demais para desistir. Não dava tempo de sair atrás de uma chapinha ou de trocar de roupa, então o jeito era esquecer. Ou pelo menos tentar.

- Quem é que vai te buscar, Luísa?

Minha mãe sempre fazia essa pergunta, de modo que fechei os olhos com força usando toda a energia que me restava depois de uma hora na maquiagem para segurar a língua e ainda dar um sorrisinho de quebra.

- O pai da Adriana, mãe. Ela disse que ele podia passar lá e buscar a gente.

- Mas ele vai te deixar aqui na porta de casa?

Ela estava fazendo aquela cara de novo.

- Vai, mãe. A gente combinou.

- Porque você sabe como é, Luísa, hoje em dia tudo é muito perigoso e...

Claro que ela estava fazendo aquilo de novo. Minha mãe achava que cada hora do dia era uma hora em potencial para ser assaltado, sequestrado ou morto, às vezes as três coisas ao mesmo tempo, numa linha de pensamento tão complexa que poderia fazer inveja a qualquer roteirista do C.S.I.

Eu tinha uma fase de assistir C.S.I: Investigação Criminal, mas a verdade é que parei de ver quando percebi que as histórias dos crimes mais horríveis eram as que mais se pareciam com os comentários da minha mãe.

- ... então você deve tomar cuidado. E levar uma blusa de frio!

- Não vou levar uma blusa de frio, mãe. Tá quente!

- Ah, mas esse tempo anda doido. Você é quem sabe, mas se esfriar e você ficar doente...

Abri o guarda-roupa com força e peguei uma jaqueta. Porque todo mundo sabe que quando mãe joga a responsabilidade pra cima da gente é porque é praga, e praga de mãe pega mesmo! Que o diga meu último resfriado que coincidiu com um dia em que, atrevidamente, saí sem levar uma sombrinha. O sol estava rachando, mas de repente no meio da tarde, uma tempestade monumental caiu me deixando completamente ensopada no ponto de ônibus.

Como eu disse, praga de mãe!

Sentei no sofá da sala para esperar minha carona enquanto passava os canais de TV que nem uma louca: novela, novela bíblica, novela mexicana, série de TV adolescente que parece novela... Nada interessante.

Festas em geral me deixavam ansiosa, uma vontade doida de sair correndo, uma tremedeira sem sentido. Enfim. Fiquei pensando no trajeto que faríamos até o salão de festas: sairíamos da rua Treze, entraríamos na avenida Portugal pra pegar a Otacílio Negrão de Lima... É, entrar no modo GPS é um dos meus sinais de nervosismo extremo. Só perde para arrancar cabelo.

- Mas você parece que sai todo dia!

Minha avó me arrancou do meu TOC particular com seu mau humor diário. Nem respondi, só dei um sorrisinho.

Não era beeeeeeem culpa dela, afinal. Minha avó tinha começado a caducar há algum tempo, o que só agravou aquele ranzinzamento (essa palavra existe? Se não, acabei de inventar) natural que já era parte da vida de todo mundo que convivia com ela. Se bem que minha avó sempre foi meio caduca. Um dos motivos é que ela sempre me chamou de Rafaela...

... e meu nome é Luísa.

Coisa estranha que acabou virando normal. Desde que eu me entendo por gente é Rafaela pra cá, Rafaela pra lá e nunca adiantou o que meus pais diziam ou o que eu mesma passei a dizer depois de um tempo; para a vó Iracema eu era Rafaela. Parecia até ser a vontade martelante dela de que eu fosse outra pessoa.

Nada mais que o normalOnde as histórias ganham vida. Descobre agora