Prólogo

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- O amor é febre que arde... em meu sangue.

Isabella Swan não conteve uma expressão de desagrado quando estas palavras ecoaram no ar. Sinceramente, esse era o pior poema declamado por lorde Newton desde que ele chegara à residência urbana de seu pai uma hora antes.

Nossa, fazia somente uma hora? Parecia que aquele cidadão idoso estava ali havia dias.

Ele entrara sacudindo um livro e avisara triunfante que em vez de seu passeio habitual, leria para ela. Bella, de fato, gostaria muito desde que a leitura fosse algo interessante e não aquela baboseira. E gostaria ainda mais se ele não agisse como se estivesse lhe fazendo um favor.

Ela sabia muito bem qual era a razão para essa súbita mudança de planos. Obrigando-a a permanecer comportadamente sentada enquanto lia alto, ele só tinha um objetivo: evitar desastres. Parecia que até o velho e solidário Newton estava ficando cansado de seus contínuos acidentes.

Não podia culpá-lo, ele havia sido extremamente tolerante até então, quase um santo.

Certamente, demonstrara mais compreensão e bravura do que seus outros pretendentes. Parecia aceitar e perdoar todas as vezes que ela confundia suas grossas coxas com a mesa de chá e apoiava as coisas sobre elas; esboçava um sorriso dolorido ao levar pisões nos pés quando dançavam; e suportava com galhardia seus constantes tropeços e quedas quando saíam para uma caminhada no parque.

Pelo menos, era o que parecia, mas aparentemente hoje descobrira um jeito de se safar de tudo isso. Pena que sua opção de leitura deixasse muito a desejar. Bella teria preferido fazer o papel de boba no parque ou cair de cara em um bolo do que ficar ouvindo aquelas bobagens sem sentido.

- Minha imaginação ganha asas de um pássaro.

A voz de Newton tremulava de paixão, ou talvez apenas de velhice, Bella não saberia dizer. A verdade é que aquele homem tinha idade para ser seu avô.

Infelizmente, isso pouco importava para Irina. Sua madrasta havia prometido a Charlie Swan que procuraria um bom casamento para a filha antes que ambos morressem.

Até o momento, eles não pareciam correr qualquer risco. Ela, porém, estava em perigo iminente de se encontrar casada com o cavalheiro idoso ajoelhado a seus pés que, de braços erguidos, clamava amor eterno.

Lorde Newton era um dos poucos pretendentes que ainda a cortejavam.

- Juro minha... minha... lady Isabella - Newton interrompeu o que ia dizer. - Por favor, aproxime mais a vela. Está difícil decifrar essa palavra.

Bella suspirou de tédio e olhou de soslaio para o pretendente. Em sua visão embaçada, o rosto de Newton era um borrão redondo e rosado, coroado por uma nuvem de cabelo prateado.

- A vela, menina - disse ele com impaciência, a irritação substituindo por um momento todo o charme do pretendente.

Bella estendeu o braço sobre a mesa a seu lado, pegou o castiçal e o segurou mais próximo a ele.

- Bem melhor agora - disse Newton satisfeito. - Onde estava mesmo? Ah, sim. Juro minha perene...

Ele fez uma nova pausa e fungou.

- Você sente o cheiro de queimado?

Bella aspirou o ar delicadamente. Começou a abrir a boca para dizer que sim, mas antes que pronunciasse qualquer palavra, Newton soltou um grito.

Pulando para trás de surpresa, ela observou com espanto o homem levantar-se de um sobressalto e começar a pular pela sala, levantando os braços como se tivesse enlouquecido e batendo com as mãos na própria cabeça.

De início, Bella não conseguiu entender o que estava acontecendo até que o viu tirar da cabeça o que lhe parecia uma mancha branca, que outra coisa não era senão uma peruca que ele passou a bater com força contra a própria perna. Ela deu-se conta então de que talvez tivesse segurado o castiçal perto demais da cabeça dele e posto fogo em sua peruca.

- Ah, meu caro. - Bella abaixou o castiçal, sem soltá-lo até certificar-se de que estava bem apoiado sobre a mesa. Com a visão distorcida e seu senso de distância comprometido, ela quase derrubou o homenzinho ao pular da cadeira para ajudá-lo.

- Afaste-se de mim! - ele gritou, empurrando-a.

Bella caiu sentada na cadeira novamente e olhou-o estarrecida; depois voltou a cabeça por ter ouvido um zunzum à porta.

Todos os empregados da casa tinham ouvido os gritos e corrido para a sala. É claro que sua madrasta estava lá também.

Sem os óculos, Bella não conseguia enxergar direito se a olhavam com pena ou repreensão, mas não era necessário olhar para lorde Newton para adivinhar o que estava pensando. Sua raiva ganhara corpo e quase podia tocá-la através dos poucos metros que os separavam.

Newton estava tão zangado que suas palavras emendavam-se umas nas outras, tornando-se quase incompreensíveis. Isabella conseguiu compreender algumas, como "idiota desajeitada", "desastrada" e "um perigo para a sociedade"; de repente, ele levantou o braço e avançou em sua direção. Ela congelou, temendo que ele fosse agredi-la.

Felizmente, os presentes desconfiaram que ele estava perdendo o controle e se aproximaram. No momento em que Newton ia lhe dar um bofetão, foi impedido por várias pessoas.

Enquanto lutavam diante dela, Bella só percebia uma difusa confusão de pessoas e cores. Ela ouviu, porém, Newton praguejar e um gemido que lhe pareceu ser de Harry, o mordomo. O praguejar continuou à medida que um borrão de vultos coloridos começou a sair pela porta.

- Que vergonha, Newton! - choramingou Irina, com a voz bastante alterada ao seguir os demais até a porta, acrescentando depois em tom ansioso: - Espero que tão logo tenha se acalmado, possa perdoar Isabella completamente. Tenho certeza de que ela não teve a menor intenção de queimar sua peruca.

Bella afundou na cadeira com um suspiro de desgosto. Não podia acreditar que a madrasta ainda esperava uni-la àquele homem. Mas devia saber muito bem que Irina não desistiria de seu intuito.

- Isabella!

Endireitando rapidamente o corpo na cadeira, Bella se voltou em direção à porta e viu o vulto lilás de Irina entrar e bater a porta.

- Como você foi fazer uma coisa dessas?

- Não fiz de propósito, Irina - esclareceu Bella. - E isso jamais teria acontecido se você me deixasse usar os óculos.

- Nunca! - retrucou Irina. - Quantas vezes eu preciso lhe dizer que jovens que usam óculos simplesmente não arrumam maridos? Sei do que estou falando. Melhor alguém meio desastrada do que com óculos.

- Eu pus fogo na peruca dele! - Bella exclamou, descrente. - Isso é bem mais do que ser um pouco desajeitada; na realidade, ultrapassa o ridículo. Está se tornando perigoso. Ele poderia ter se queimado muito.

- Poderia! Graças ao bom Deus não se queimou - admitiu Irina, soando repentinamente calma.

Bella quase gemeu alto. Aprendera muito depressa que quando a madrasta ficava calma, não era um bom sinal.

O amor é... Cego?Where stories live. Discover now