VI - O início da viagem

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Luana

-Vamos garoto! - gritei para Hoop, que descia apressadamente a escada.

As coisas tinham tomado rumos assustadores. Eu queria ter contado tudo para Hoop, mas achei melhor não. É informação demais, e "Ele" me disse que eu apenas devia fazer com que o garoto fosse para o Norte...

"Ele" e uma voz que me orienta nos sonhos e na vida real desde algumas semanas atrás, certa vez eu o vi num dos sonhos, um homem alto, com um terno negro e um cachicol azul. Tirando isso, nada mais era legível, como se todas as minha outras lembranças do sonho tivessem sido apagadas da minha mente.

-Vamos? - disse Hoop ao meu lado, me tirando da rápida divagação.

-Ahn? Claro! Não há tempo a perder -

Não há mesmo. Se todos os meus sonhos eram verdade, o fato da Julia estar presa num calabouço sem comida e torturada era irrelevante.

Seguimos pela avenida principal, ao longe várias pessoas lançaram olhares acusadores para nós. É o tipo de coisa que acontece quando uma garota dorme na cama de um garoto no hotel.

A verdade era que tinha ido para aquele quarto pois era o mais próximo do térreo e eu sabia que podia confiar no Hoop, mas as pessoas preferiam pensar que eu usei a história do maxilar quebrado como pretesto para ficar sozinha com ele e fazer safadesas. Pensaram certo, em uma situação normal, eu teria feito isso mesmo.
Mas as coisas ali não estavam normais.

Passamos por mais uma rua.
A praça ficava no centro de Greenshorse, tinha um belo chafariz onde estava esculpida a figura de dois peixes entrelaçados, uma homenagem ao fundador da cidade, que tinha o signo de Peixes. Toda vez que estava perto daquele lugar eu me sentia diferente, mais calma, mais inteligente. Quando comentei isso com Stuart ele riu da minha cara e disse algo como:

-Você deve estar drogada!

Na ocasião eu até poderia estar. Me livrei do vício quando tinha uns dezesseis anos, lembro que fui pescar com meu avô e levei minha droga - para relaxar um pouco depois da pesca - porém, quando fui fuma-la, esbarrei no balde onde estavam os peixes e cai junto a eles no pequeno riacho. Um vez debaixo d'gua eles pularam emcima de min e meio que ficaram rodando ao redor de minha cara durante alguns minutos, depois disso eu nunca mais tive vontade de me drogar. Simples assim.

Já estávamos na rua principal. Podia ver a praça ao longe, os belos bancos de madeira, as incríveis rosas e margaridas que marcavam o canteiro, e, é claro, o chafariz, que adquirira um tom amarelado graças ao brilho do sol, a visão era muito bonita, não era a toa que Greenshorse tinha o título de "A bela", as próprias ruas são uma beleza a parte, casas de dois andares com muros feitos de argila que, em contraste ao sol, adquiriam um tom laranja fabuloso. Telhados vermelhos que davam a cidade uma característica única, e os pequenos jardins onipresentes nas casas, com flores e plantas em vasos e videiras bem cuidadas nas paredes externas. Estou divagando demais...

-Foco Luana! - falei comigo mesmo.

Uma senhora olhou em minha direção, era como se perguntasse "Você esta louca?". Fiquei tentada a dizer "Sempre fui assim senhora, ligue não".

-UFA, chegamos. Qual e o plano agora? - disse Hoop, ofegante.

-Encontrar o médico - olhei ao redor a procura do sujeito e o vi sentado num banco do outro lado do chafariz - ali, vamos!

Começei a correr em sua direção. Hoop vinha logo atrás, respirando pesado. Ele que era a esperança para o mundo? Já morremos.

-Demoraram muito - disse o sujeito quando eu me aproximei.

-Pelo menos chegamos, vai ajudar a gente? - o barulho do chafariz... Me deixava tão calma...

-Sim, e o meu trabalho não é? - ele levantou e olhou para Hoop, que havia acabado de chegar - Já esta cansado? Você não pedala pela cidade toda entregando pizzas?

-É, só que eu me alongo antes, e não saio correndo desesperadamente pelas ruas - ele lançou um olhar significativo para mim. Seguido pelo erguer de uma das sobrancelhas. -Como você não está ofegante?

-Hm, e por causa do chafariz, há muito poder aqui para uma garota como ela - eu não entendi o que ele quis dizer

-O que você quis dizer com "Uma garota como eu" ?

-Vocês vão entender melhor mais tarde. Mas por agora, não há tempo a perder...

-Estou ouvindo muito essa frase hoje - eu ia falar a mesma coisa.

-Então, vamos salvar Julia? - se eu não falasse nada, eles iam continuar naquele lenga-lenga por horas.

-Errado. Eu vou atrás de Julia, vocês vão para o castelo da Tavula, basta irem até o local marcado no mapa - ele apontou para Hoop - ele sabe onde fica.

-Nada disso! A professora está correndo perigo e eu vou ajudar! - disse Hoop, decidido

-Ajudar? Com essa forma física você só atrapalharia - ele apontou para o Suleste - as coisas estão agitadas lá. Tenho que confrontar Nebulos sozinho... Talvez ele a liberte por bom senso.

-Não... Ele quer usa-la como moeda para chantagear Nefus. Não vai entrega-la por nada - dei uma pausa para ver se ele tinha entendido - Nebulos não tem mais medo de vocês, seu exército já está grande o suficiente para começar a batalha.

-Meu deus. Peixe não tem a alcunha de "O furtivo" a toa - olhou em minha direção com um certo respeito, depois olhou para Hoop. Era como se disse-se "Acho que trocaram vocês de posição" - Hoop, Luana, vão ao ponto marcado no mapa, sejam rápidos, vocês podem ir pelo lado direito do rio, onde o caminho é seguro, ou pela floresta do lado esquerdo; chegaram lá mais rápido... Porém, é um caminho perigoso...

-Porque? Tem um lobo mal lá, tipo chapeuzinho vermelho? - perguntou Hoop, com um sorriso no rosto.

-Exatamente - o sorriso de Hoop desapareceu imediatamente.

-Então podemos escolher entre o caminho rápido e perigoso ou o caminho demorado mas seguro? - perguntei

-Sim... Acho que já sabem tudo. Sigam para o Norte, escolham um dos tragetos e cheguem até o castelo vivos. Luana, pegue isso - ele tirou uma adaga prateada de dentro de seu terno e me entregou - caso o lobo mal tente brincar.

-E eu? - disse Hoop

-Hm, toma isso aqui, quando encontrar a foz do rio, mergulhe com ele no pescoço - e então ele o entregou, um colar com corrente prata e uma balança na ponta.

-Este é... O colar do meu sonho... - ele falou, olhando incrédulo para o pequeno objeto.

-É, eu sei disso, mas este ainda está novo, não tem extremo poder como o do seu sonho tinha... Com o tempo ele vai ganhar carga, mas só depois de ser mergulhado na foz do rio que banha o continente do herói que o usa. -

Ele deu um leve aceno com a cabeça para nós e então bateu com seu cajado no chão. Uma nuvem de fumaça apareceu em volta dele, e quando está se dispersou, não havia mais ninguém dentro dela.

-Um médico Mandingueiro, só o que faltava - Hoop falou

-O termo certo é mago... Mas isso não importa, vamos logo, temos que andar uns dez quilômetros.

-Então eu devo levar minha bicicleta? - a sugestão era válida

-Não, porque não vai ter estrada para ela andar. Iremos pelo caminho difícil, pela floresta.

Sarrow - O Plano VolcanoWhere stories live. Discover now