17. Anil

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Não vale a pena sangrar por sangrar
Crescer de véspera
Fugir diante das palmas
Lembrar de rolar um pranto, enfim...

Não durma antes de sonhar...

Maria Gadú, A Culpa

                            

Olhei dentro de seus olhos. Tenho a certeza de que ela me ouviu. No entanto, ainda estou anestesiado. Pensamentos variados e incontroláveis entonteiam-me, posso estar entrando em um estado hipnótico. Ou dormente.

A distinção entre as palavras que saíram é indistinguível. Meros segundos podem desnortear o destino de um homem. Infelizmente.

O que acontecera? Ou mais importante ainda: como ela reagirá? Indo embora novamente? Começo a me lembrar que em minha loucura disse as famosas "três palavras". Peço socorro aos meus botões. Por um instante, vejo-me olhando em seus olhos, perdido procurando sentido nas palavras, nos pensamentos e nos sentimentos.

Senti a ansiedade tomando meu forte novamente, o amor juvenil saindo do bolço da jaqueta. Olhando-me com olhos enrugados de um sono de seis anos.

Suas ondas balançavam e balançavam, inquietas. Talvez suplicando por carinho, talvez suplicando para atirar-me a elas. Sem medo ou receio. Sem receio ou medo. Atirar-me a um novo futuro com ela.

Sinceramente, não me importaria em ser um pescador, se a tivesse comigo. Sol era sim uma donzela, porém não estava pedindo para ser salva. Por orgulho? Por medo? Não posso saber. Mas irei salvá-la.

Era um sonho. Pesadelo. Devaneio. Estado hipnótico. Delírio. Seus olhos encheram-se de lágrimas novamente, derramando várias de uma vez só pela sua face, como um vulcão em erupção.

Estacado diante dela, perguntava-me "e agora?". O mundo gira, sim, o mundo gira, o amor não gira. Talvez eu tivesse interpretado erroneamente e tudo não passasse de fruto da minha imaginação.

Ela soluçava doentiamente. Dolorosamente. Seu corpo pousou sobre a calçada da rua e eu acompanhei-a segundo pós segundo, mantendo uma distância confortável e respeitosa.

Envergonhei-me após tudo. Das palavras, da bebida, nem meu hálito escapou desse amoroso rubor. Na maior das certezas, ela havia me ouvido.

O lugar de seus pais nunca seria preenchido pela presença de um amor o qual espero ser nutrido por mim. Um vento gélido perpassou pelos meus cabelos, arrastando, de certa forma, uma vontade enlouquecedora de ser seu porto seguro. No entanto, não sabia como agir, o medo de ser novamente rejeitado ainda era latente em meu peito, e, entre as certezas das certezas, o meu eu não suportaria isso.

Uma vida vivida morrendo um pouco a cada dia; percebendo as mãos da morte puxando-lhe para o inferno. Alguns dias morrendo mais do que em outros. Perdendo partes e partes de uma juventude. Por que seus pais venderiam uma menininha? Uma criança, ó céus, por qual razão? Queria perguntar-lhe como havia parado ali, se ainda era prostituta, queria abraçá-la e afirmar que tudo estaria bem.

- Perdão... - ela começou, porém um soluço a atrapalhou - perdão.

- Não precisa, Sol. Posso?

- Enxugar minhas lágrimas?

- Isso.

- Pode - seu olhar penetrou fundo em minha alma, como uma chuva de agulhas.

- Você quer conversar? - Pequena. Continuei apenas em minha cabeça, desejando pronunciá-la, mas receoso com a possibilidade de estar desrespeitando seu momento de tristeza.

- Quero sim, meu Tê.

Taquicardia. Naquele momento, poderia lhe dizer, leitor, que voltei seis anos atrás. Naquele momento, contei até dez. A culpa de não tê-la procurado caiu em cima das minhas costas com toda força. Ela precisava de mim desde quando pousei meus olhos em seus fios claros, em uma menina temerosa. E eu não estivera lá.

Ódio. Eu não estivera lá. Na verdade, eu estivera lá, mas não fizera nada. Nada. E esse mesmo nada partia-me. Rasgava meu peito. Entretanto, dessa vez, não a deixaria sofrer mais. Dessa vez, sim, dessa vez, teria vingança. Dessa vez, seria um começo (?).

Sol Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt