3. A Testemunha

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Ainda não havia amanhecido quando cheguei em casa. Pra sorte de Mapa, ela havia deixado um bilhete em casa para os pais.

- Tem certeza que esse bilhete vai dar certo? - Perguntei.

- É claro que sim. Disse que ia dormir aqui na sua casa - ela respondeu.

- E eles deixam?

- Meus pais estão se divorciando. Nem ligam se a gente tran...

- O.K. Já entendi.

Mapa começou a rir da minha cara, eu estava ficando enrubescido. Odiava quando ela fazia isso. A Mapa me fazia ficar envergonhado, brincando com coisas do tipo, porque ela não tinha vergonha na cara.

Ano passado, ela odiava uma garota da sala, Maria Antonieta, e criou um plano que ela chamou de "Acabar Com o Namoro da Vadia" dividido em duas partes.

Parte 1: Conseguiu aulas particulares com o namorado da Maria. Foi até a casa dele e mandou uma mensagem anônima para a Maria dizendo que seu namorado a estava traindo. Ainda a chamou de "corna".

Parte 2: Quando Mapa estava tirando o sutiã, Maria chegou e viu a cena. Elas ainda brigaram. Claro que, naquela época, Mapa ainda não tinha poderes, então saiu com rosto arranhado, mas a Antonieta ficou pior. Passou quase duas semanas sem ir pra escola.

Às vezes ela me dá até medo.

Improvisei um colchão no meu quarto perto da cama, para que eu pudesse dormir, Mapa ficou na parte de cima e ficamos conversando até pegarmos no sono.

Descobri que ela estava gostando de um garoto da escola, ele estava no último ano, e ela me perguntou qual era a garota que eu gostava.

- Nenhuma... Que eu me lembre - respondi.

- Ah, fala sério. Tem que haver ao menos uma garota na escola que você ficaria - ela disse.

- Não sou de ficar por ficar, você sabe disso.

- Eu sei, mas mesmo assim! Bêbado em alguma festa, hein?

Fiquei pensativo por um instante.

- Não, acho que não - respondi, por fim.

Ficamos até as quatro da madrugada conversando, até que, enfim, ela caiu no sono, eu demorei um pouco mais a adormecer.

Tive um sonho breve onde eu me via diante de uma garota linda. Era loira, tinha pele pálida e olhos castanho-claro, ela era de uma beleza simplesmente magnífica. As maçãs do seu rosto tinham um tom claro de rosa, seus cabelos dourados desciam ondulados sobre os ombros, ela tinha um corpo escultural, era menor que eu.

Não foi a primeira vez que sonhei com ela, mas agora ela parecia bem mais real. Claro que eu não tinha consciência de que era um sonho, mas ela parecia muito mais real do que qualquer sonho que eu já tive.

Ela não fazia nada além tocar minha face e sorrir de forma suave e angelical. Aquele sorriso me fez derreter. E quando ela falou, sua voz soou como uma bela melodia. Ela apenas disse:

"Estou chegando, meu herói."

Acordei quando ela acabara de falar isso. Eram apenas oito da manhã, em um dia de sábado, provavelmente nem o Jansen havia acordado.

Me levantei e pus uma roupa qualquer, escovei os dentes e tomei café-da-manhã antes de acordar a Mapa. Havíamos combinado de sair cedo para procurar pela Letícia Peterson, a única sobrevivente do ataque de animal de duas noites atrás.

Quando saímos de casa, já eram nove e meia, o que significava que meu pai deveria estar voltando pra casa, era a hora perfeita. Deixei um bilhete na geladeira explicando que eu e Mapa precisaríamos do carro dele para sair. Uma caminhonete Chevrolet S10 do ano 2010.

Claro que tanto eu quanto a Mapa tínhamos habilitação, então pegamos a avenida principal da cidade até um hotel onde eu sabia - informado por fontes confiáveis - que a Letícia estaria hospedada esperando seus tios do estado de Minnesota chegarem para buscá-la.

Como ela era menor de idade, havia uma viatura com dois policiais na frente do quarto que ela estava. Pra minha sorte - ou não - os policiais eram dois dos que meu pai chefiava, o que significava que me conheciam e que a abordagem direta poderia funcionar.

Me aproximei do quarto de hotel antes de ser parado pelo policial Thompson, que pousou uma mão sobre meu peito, me olhando com apatia.

- Desculpe, Jason. Você não pode entrar. Ordens do seu pai - ele disse.

- Ele... Me mandou vir conversar com a Letícia, disse que poderia ser bom ela conversar com alguém da mesma idade - eu dizia. Ele afastou a mão de mim e me olhou sério.

- Isso é mentira, ele teria nos avisado - disse o policial Jackson, que estava do meu outro lado.

- O rádio comunicador está com defeito, por isso ele não conseguiu avisar a vocês - Mapa foi mais rápida que eu na hora.

Thompson olhou pra Jackson e assentiu com a cabeça. Jackson foi até a viatura da polícia e pegou o microfone do rádio. Passou um minuto tentando sintonizar na frequência certa e mais um encarando o aparelho, falando alguma coisa.

O policial Jackson voltou para nós aparentemente frustrado.

- O rádio não está funcionando - anunciou.

Thompson ficou pensativo por um instante, mas logo retornou a falar:

- Certo. Podem entrar, mas não vão ficar muito tempo, estão me ouvindo?

- Valeu, policial Thompson! - Exclamei, sorrindo.

- O senhor é o meu herói! - Mapa exclamou e deu um beijo na bochecha do policial antes de entrarmos.

Ao entrar, percebi que o quarto era grande, eu nunca havia entrado em um dos quartos do hotel, mas logo vi que os quartos eram maiores que o meu.

Letícia estava debruçada sobre a escrivaninha, parecia estar escrevendo alguma coisa, mas o lápis estava caído em cima da mesa. Pensei que poderia estar dormindo. Talvez escrevendo uma carta a noite e poderia ter caído em um sono que parecia profundo.

Porém, com minha ótima audição, eu não consegui ouvir sua respiração, e ela nem mesmo se movia pelo simples ato de respirar.

Mapa segurou a minha mão quando olhou para o mesmo que eu.

- Jason, ela está... - ela começou a dizer.

- Acho que sim... - respondi.

Então a escrivaninha marrom tomou uma nova tonalidade de cor. Escarlate. Vermelho forte, vivo. Então eu soube ali que o que eu temia estava se concretizando na minha frente.

Letícia Peterson, a única testemunha, estava morta.

O Caçador - Crônicas dos Metamorfos (Vol. 1)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora