Meu celular toca de forma irritante. Tento abrir os olhos, mas a claridade do aparelho faz minha vista embaralhar. Sete horas. Respiro fundo e sinto que essa manhã não será nada fácil. Viro para o outro lado da cama e me deparo com Maitê dormindo de forma angelical. Adoro a forma que seu cabelo liso percorre seus seios.
— Bonitinha, está na hora de acordar — falo, enquanto acaricio as curvas do seu corpo.
— Que horas são? — Ela diz em uma mistura de sono e preguiça, se encolhendo na cama.
— Hora de você acordar, Maitê. Acredito que não queira se atrasar para o trabalho e principalmente para sua brava jornada de reconquista. Ops, quis dizer, encontro — respondo em tom de brincadeira.
Ela franze a testa, bufando.
— De todas as mulheres do mundo, Kahlil, eu tinha mesmo que escolher você? Justo em uma segunda de manhã? — diz Maitê, sem conter um sorriso no rosto.
— Bom, eu avisei que uma hora ou outra você não iria resistir ao meu charme — retruco de forma irônica, dando risada. — É melhor eu me apressar, caso não queira ser esmagada por gente estranha no trem.
— Kahlil, menos né, menos. Seu ego é tão grande que não caberia nem no universo — rebate Maitê.
Ao ligar o chuveiro, enfrento meus dilemas de todas as manhãs. É quase como um horário pré-programado pelo meu corpo para dizer: "está tudo uma merda mesmo, mas vamos tentar arranjar uma solução". Em poucos minutos, estou pronta para mais um desafio diário, começando por ter que enfrentar uma fila monstruosa.
O trem está tumultuado, com sorte consigo um lugar para sentar. Foco minha atenção na janela ao lado, que me dá a perspectiva de como a vida é insignificante. Carros correndo em direções opostas, buzinas soando. As pessoas não têm ideia do por que respondem a esses estímulos cotidianos. Apenas os perpetuam.
Isso me faz lembrar de como Maitê, mesmo sendo instruída e independente, não escapa desses péssimos hábitos. Na verdade, diria que seu único defeito tem nome e sobrenome: Ísis Keegan. Até que o sobrenome lhe caí bem, só que ao invés de Keegan, eu leio Kenga mesmo. Não porque tenho ciúmes ou algo parecido. A menina implora para ser odiada. Além disso, me entristece ver o quanto Maitê se rasteja por um amor corrosivo.
Oito e cinquenta. Chego quase na hora de bater o ponto. Pego um café, enquanto cumprimento a recepcionista. De soslaio, observo uma figura branca, dentro de um terninho apertado, se aproximando. Respiro fundo e fecho os olhos por alguns segundos, para me recompor.
— Me responde Kahlil, você sabe identificar as horas no relógio? Ou tem algum problema? — Dispara Marie.
— Olha, para começar, você sabe que eu odeio que me controlem desse jeito e se essa irritação é por causa dos prazos, fique tranquila. Terminei os capítulos que me pediu — respondo de forma áspera. — Aliás, são oito e cinquenta e dois, o que significa que ainda estou com tempo de sobra. Agora, se me der licença, vou deixar isso na sua mesa — aponto para pasta preta embaixo do meu braço.
Apesar das farpas trocadas, Marie não é uma má pessoa. Na verdade, nossa relação se resume em amor e ódio. Ela é uma ótima editora, mas completamente paranoica.
Sinto o celular vibrar no bolso, mas minha atenção se foca automaticamente nas mensagens reluzentes do Whatsapp.
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Alcateia (Romance Lésbico)
RomanceDestino, Karma, Deus... independente dos critérios religiosos, a vida sempre arruma uma forma de nos disciplinar visando nossa evolução. Com Kahlil não é diferente. Escritora, lésbica, cercada de relacionamentos tóxicos, escolhas ruins em uma intens...