Enquanto dirijo até seu apartamento, Julie não diz nada. Está muito pensativa. Meu celular toca. Vejo que é meu pai. Ignoro a ligação. Não estou com cabeça para os seus desaforos.

- Pode atender se for alguma das suas namoradas. Não vou me importar. - ela diz, mas sua voz é cheia de ressentimento.

- Não vou atender porque não quero. É meu pai e não estou afim de falar com ele. Eu não tenho namoradas. E se por um acaso fosse uma mulher, eu atenderia e diria que estou ocupado com a mulher mais linda e birrenta que já conheci até hoje.

- Então agora eu sou birrenta também? - ela solta uma gargalhada. Acho que a primeira que vi. Com certeza a mais linda.

- Você está sorrindo de novo, Julie. Vamos comer alguma coisa. Almoça comigo antes de ir para sua casa.

- Não sei se seria uma boa ideia. Eu não quero que pense que estamos tendo algo. Não posso nunca corresponder aos seus sentimentos.

- Nossa, eu sou tão horroroso assim? Já recebi elogios melhores que esse. - faço caro de bravo, mas acabo rindo.

- Não é isso, você sabe que não é. Mas se você ficar mais feliz, então tudo bem, vamos almoçar. Mas, por favor, nada de peixe cru ou algo do tipo. Prefiro McDonalds.

- Então tá, mas eu vou pegar no drive e vamos comer em um parque que tem aqui perto.

- Combinado.

Pegamos lanches e bebidas e seguimos para o parque de um clube que sou sócio. Como é um dia de semana, está quase vazio. Pegamos uma mesa debaixo de uma árvore e nos sentamos próximos um ao outro. Me sinto como um adolescente de novo, tentando conquistar uma garota. Livre de preocupações. E a sensação é maravilhosa.

- Vamos, me fale um pouco de você, Julie. - me debruço na mesa apoiando a cabeça entre as mãos.

- Não tenho muita coisa para falar de mim. Nunca fui popular na escola, nunca tive muitos amigos, não tenho família para fazer fofocas. Só uma amiga que ficou em Cambridge, eu a conheci em uma agência de modelos em Boston, ela também é brasileira e se tornou minha família.

- Espera aí, você trabalhava como modelo nos EUA?

- Na verdade, fazia algumas fotos quando aparecia, não era nada fixo e muito rentável.

- Por que você não partiu para esse meio aqui no Brasil também? - pergunto intrigado.

- Aqui fica mais difícil, o mercado é muito concorrido e também não é o que sonhei pra mim, esqueceu que eu cursei Administração?

- Não, não esqueci, é que você é tão linda, achei que se daria bem na carreira de modelo. - digo sinceramente. - Você sabe que fica linda comendo?

- Ah, não seja bobo, Joe, ninguém fica bonito comendo. - ela afirma sorrindo e com as bochechas coradas.

- Você fica e corada, quando está com vergonha, é a visão do paraíso.

- Você está tentando me conquistar, senhor Hesgher? Aliás, de que descendência você é, com esse sobrenome todo esquisito?

- Primeiro gostaria de dizer que sim, estou tentando te conquistar. Se não fosse por isso, o que um cara estaria fazendo num parque em plena luz do dia, de terno, comendo McDonalds? E meu sobrenome é alemão.

Percebo que algo fica obscuro em seu olhar e ela fica distante, perdida em seus pensamentos.

- Julie, você está aqui na Terra ainda?

- Desculpe, mas eu não quero ser conquistada por você, não dá, existem coisas que não podem ser consertadas.

- Eu não te conhecia até uma semana atrás, como posso consertar algo que não sei o que fiz, Julie? - fixo meus olhos nos seus, na tentativa de decifrar algo.

- Hoje, Joe, não foi a primeira vez que nos beijamos. Você já me beijou uma vez, no colégio. Você não se lembra daquela garota idiota que você foi pago pra beijar? Não lembra de como eu beijei mal, Joe? - ela diz, chorando e com a voz alterada.

Eu fico paralisado quando lembro daquela garota, que era assunto de todas as piadas na escola e a qual me imploraram para beijar.

- Não... Não pode ser, eu não sabia que era você! - digo envergonhado. Fiz aquilo porque Meg me prometeu fazer uns trabalhos escolares que eu odiava, mas eu era um garoto imaturo. - Eu não sei o que dizer Julie, eu não sabia o que estava fazendo. Foi por isso que me fez implorar por um beijo? - pergunto, mas ela continua chorando e não responde.

- Diga, Julie! - grito, porque estou confuso e com raiva por fazê-la chorar tanto, eu a magoei de verdade, eu sempre faço isso. Mesmo quando tento acertar, estrago tudo.

- Você me fez te odiar a cada dia! Você sabia que depois que me humilhou e foi embora eu encontrei minha avó morta em casa, você sabia, Joe?! - o olhar que ela me lança atinge algo dentro de mim, como um soco. Sinto meu estômago embrulhar ao imaginar a dor dela naquele dia.

Então ela se levanta e sai correndo. Demoro um pouco pra me mover, minhas pernas não me obedecem. Quando por fim elas respondem, tento alcançá-la. Quando consigo, seguro seu braço e ela olha pra mim, com olhos mais cheios de mágoa que já vi.

- Por favor, Julie, vamos conversar, você não pode me julgar pelos erros de um moleque. Você não me conhece agora que sou adulto, me dê a chance de te mostrar quem eu sou agora, por favor. - eu imploro, porque sei que o que sinto perto dessa mulher não chegou nem perto do que senti com outras mulheres. Ela me faz querer mais do que o caso de uma noite.

- Não dá para apagar, para esquecer, você estragou tudo. - ela diz, com um sussurro.

As palavras de meu pai ecoam em meus pensamentos: "Joe, você nunca é bom em nada, você sempre estraga tudo", e contra isso não consigo lutar, então solto os braços de Julie e ela se vai, me deixando sozinho com lágrimas nos olhos e um sentimento de que nunca vou conseguir acertar em nada, quanto mais eu tento, mais eu estrago tudo.

O doce sabor da vingança  ( degustação) Donde viven las historias. Descúbrelo ahora