Cap 3

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Julie

Saio da sala desconcertada. Todos os meus temores se concretizaram. Nunca imaginei que alguém que eu odiasse pudesse mexer tanto comigo. Joe não poderia estar mais perfeito. Aquele garotinho se transformou em um homem lindo e charmoso. Apesar do terno elegante, ficaram visíveis seus músculos, distribuídos em um corpo de mais de 1,90 de altura. Seu rosto, com o maxilar bem desenhado e olhos negros que me fizeram perder o ar e a noção... Quase coloquei tudo a perder, não consegui controlar minha raiva e o desafiei. Nem sei como consegui o emprego. Ele realmente deve estar desesperado por uma assistente.

Também percebi seus olhares. Também mexi com ele, com certeza só fisicamente, porque ele não deve saber olhar além de um par de peitos. Mas tudo bem, vai ser mais fácil se pelo menos ele me achar atraente.

Quando passo pela recepção, recebo o que parece um livro. Na capa está escrito "tudo o que se deve sabe para trabalhar com Hesgher". Não acredito, esse cara pensa que é um Deus. O ego dele é do tamanho do mundo.

Decido ler mais tarde, quando chegar no apartamento minúsculo que aluguei. Não pude me dar ao luxo de alugar algo maior, já que cheguei quase sem dinheiro aqui no Brasil. Esse que encontrei fica a duas horas da empresa, tenho que pegar três ônibus para chegar aqui, mas foi o mais barato. Além de ter que deixar três meses de aluguel adiantados para imobiliária, preciso comprar pelo menos uma cama, um fogão e uma geladeira para começar.

Saio do escritório e passo em uma loja para ver o que preciso, com a condição de que me entreguem ainda hoje.

Quando chego no apartamento vazio de três cômodos, começo a ler o livro, já que preciso me apresentar na segunda, devo saber o básico.

Descubro que devo passar em uma cafeteria antes de entrar no trabalho e levar dois cafés e pão de queijo. Devo escolher o almoço que vai ser entregue. Tem umas 10 páginas contendo todas as comidas que ele gosta e os restaurantes preferidos.

Me perco no tempo lendo tudo. Só dou uma pausa para receber as coisas que comprei. Quando vejo, já escureceu.

Decido ligar para Clarice e dizer que está tudo bem.

- Nossa, achei que você já tinha morrido, Julie! - ela grita quando atende o telefone.

- Perdão, é que precisei resolver aquele lance do serviço antes de qualquer coisa e também arrumar um lugar para morar. – digo, tentando acalmá-la.

- Está perdoada. Agora me diz: como foi? Conseguiu o trabalho? - ela pergunta.

- Consegui, mas vai ser muito difícil manter a calma perto dele. Me senti aquela garota de novo hoje. Fiquei muito nervosa.

- Mas ele é tão bonito quanto mostravam as fotos do detetive?

- Muito mais, não sei como vou fazer um homem daquele implorar por um beijo meu, ele tem as mulheres que deseja. - digo com preocupação. Não sei o que vai ser da minha vida se as minhas vinganças falharem.

- Olha, Julie, vou falar de novo, tenha cuidado, você vai acabar se machucando.

- Não tem como Clarice, já me machucaram tudo o que tinha para machucar. Mas vamos mudar de assunto, quero saber de você. Como tem passado sozinha aí?

- Sozinha não, conheci um brasileiro aqui. Ai, Julie, acho que já estou apaixonada. - sua voz demostra toda sua alegria.

- Fico muito feliz por você. Cuidado só para não ser enganada - eu sempre desconfio de todo mundo. É inevitável.

Escuto ela falar mais meia hora. Ainda bem que conversamos por WhatsApp, senão eu ia falir com as ligações.

Depois que eu desligo, tento dormir, mas como sempre a insônia me toma. Quando fecho os olhos já está quase amanhecendo.

Na segunda-feira estou mais ansiosa que nunca. Precisei acordar às cinco horas para poder chegar no horário. Perco tempo tentando escolher uma roupa adequada. Não tenho me dado ao luxo de fazer muitas compras. Acabo optando por um vestido preto rodado e coloco um bolero com estampas florais para ficar menos informal.

Passo em uma cafeteria perto do trabalho e chego pontualmente às oito.

- Bom dia, sou Julie Orner, a nova assistente pessoal do senhor Hesgher. - me apresento para a recepcionista no lobby do prédio.

- Bom dia, senhorita, aqui está o seu cartão para o elevador. - ela me entrega dois cartões magnéticos com o meu nome. Agradeço e subo para o último andar.

- Bom dia, Norma.

- Bom dia, senhorita. Joe já está aguardando na sala.

Quando entro ele está ao telefone e faz sinal para que eu sente em uma mesa montada em um canto no escritório. Coloco os cafés e o pão de queijo sobre ela e aguardo.

- Não quero saber como você vai conseguir esse contrato, Marcos. Esse é o seu trabalho. Se vira. Só me ligue de volta quando conseguir. Se não, pode passar para assinar sua demissão. - ele fala ao telefone com a voz alterada e depois desliga, sem ao menos falar tchau.

- Bom dia, Julie. Me desculpe, estava resolvendo uns problemas. Vamos tomar café da manhã para começar bem o dia.

Não respondo, já que uma das ordens escritas no livro e só responder algo se ele fizer uma pergunta diretamente a mim. Fico totalmente sem jeito sentada à sua frente. Ele me encara.

- Você não vai falar comigo? - ele pergunta, tentando parecer sério, mas um pequeno sorriso escapa dos seus lábios.

- Só devo responder quando você perguntar algo. Está escrito nas regras.

- Aquelas regras que ninguém lê, você leu. Você sabia que também está escrito que você deve responder tudo o que eu perguntar? Então vamos conversar por perguntas. Como tem passado, Julie? - ele pergunta.

- Bem. - respondo secamente. Não consigo ficar tranquila com ele me encarando e sentado tão próximo a mim. Tudo em que consigo prestar atenção é seu perfume maravilhoso, que exala por toda a sala.

- Então vou acrescentar mais uma regra naquele livro. Monossílabos a partir de agora são proibidos. Todas as suas respostas devem ter no mínimo três palavras. - seu sorriso agora é enorme. Ele está tentando me irritar, não é possível.
- Me diga, Julie, conseguiu se instalar e descansar esse fim de semana? - ele fala abrindo o pacote de pão de queijo e pegando um café.

- Consegui, senhor Hesgher. - dou ênfase nas duas últimas palavras, para afirmar que usei três como ele pediu.

Ele solta uma gargalhada e acaba esbarrando a mão no café que se espalha em cima do meu vestido.

- Ai, meu Deus, me desculpe. É que você é muito divertida. - ele levanta e pega uma toalha no lavabo e tenta me ajudar. Mas quando encosta em mim me assusto e afasto. Tentando entender o que senti, uma corrente elétrica passa pelo meu corpo e minha boca seca. Passo a língua sobre os lábios tentando umedecê-los. Mas não foi uma boa ideia, Joe fixa os olhos nos meus lábios.

- Você está tentando me matar é? Qual é o seu problema? Não, peraí, eu acho que a resposta é "você é o problema".

Então vira as costas e sai, me deixando sozinha sem entender o que houve.

O doce sabor da vingança  ( degustação) Onde as histórias ganham vida. Descobre agora