Ele caiu de costas, ofegante.
As lágrimas escorriam, o som do próprio coração misturado ao zumbido agudo que tomava a cabeça.

Mas quando olhou pro lado...
Tinha algo no chão.

Uma pulseira.
De couro preto, com um pingente de dragão.

A mesma que Mikey usava.
Mas velha, suja... e coberta de areia.

Takemichi pegou a pulseira, com as mãos trêmulas.
E no instante em que tocou nela, a visão veio de novo.

Mikey sorrindo.
— Se um dia eu sumir... me encontra onde o sol morre, tá? —

A praia.
De novo.
O mesmo pôr do sol.

Takemichi apertou a pulseira contra o peito.
E, pela primeira vez em todos os loops, ele soube pra onde ir.

O céu estava cinza quando Takemichi chegou à praia.
O mar parecia morto — um espelho sujo, pesado, refletindo um pôr do sol sem cor.
O vento frio cortava o rosto, o som das ondas misturava-se ao da própria respiração trêmula.

Ele andava devagar, com os pés afundando na areia molhada.
O coração batendo rápido.
A cada passo, lembranças fragmentadas piscavam como relâmpagos — o cheiro de sangue, o gosto salgado da água, o som de alguém chamando seu nome.

Até que ele parou.
O mesmo penhasco.
O mesmo ponto onde tudo começou.
Ou terminou.

Lá, parado na beira, estava o homem de capuz.
Quieto. Imóvel.
O vento fazia o capuz se mover, e por um instante Takemichi viu o rosto por baixo.

— ...Mikey?

O homem levantou o olhar.
O capuz caiu, revelando os cabelos antes longos e loiros, agora curto e preto. O olhar vazio — mas tão familiar que o tempo pareceu parar.

— Então você lembrou. — a voz saiu calma, triste.

Takemichi cambaleou um passo pra trás. — Não... não pode ser...

Mikey deu um meio sorriso, o tipo de sorriso que ele usava pra esconder dor.
— Pode, sim. E já devia ter lembrado antes, Takkun.

Takemichi respirou fundo, o peito apertado. — Eu... eu te matei.

Mikey balançou a cabeça.
— Não. Você me segurou. Tentou me salvar. Foi eu quem pulei.

As palavras bateram nele como ondas.
Mikey se aproximou, os olhos marejados, sem perder o tom suave.
— Eu não aguentava mais, Takemichi. O peso de tudo... o sangue, as perdas, os erros. O loop. Eu pensei que, se eu fosse embora, tudo terminaria.

Ele deu um passo à frente, e o vento soprou o cheiro familiar de chuva e sal.
— Mas você correu atrás de mim. — continuou Mikey, a voz tremendo. — Gritou meu nome, me segurou... e eu caí. A maldição foi pra você.

Takemichi fechou os punhos. — Eu tentei, Mikey... eu juro que tentei te segurar...

— Eu sei. — respondeu Mikey, com um sorriso triste. — E foi por isso que o tempo se partiu.

O mar rugia, como se tentasse interromper o que vinha a seguir.
Mikey estendeu a mão, tocando o peito de Takemichi.
— Quando eu morri, você me chamou. Chorou tanto... implorou pra que eu voltasse. E o tempo ouviu.

Takemichi o olhou confuso, a voz falhando: — O tempo... me ouviu?

— Sim. Mas ele tem um preço. — disse Mikey, baixo. — Ele não devolve vidas... só troca.
O que me prendeu aqui foi o teu desejo. Você me amarrou ao tempo quando pediu pra que eu não te deixasse.

Mikey abaixou o olhar. — Agora eu fico preso entre morrer e voltar. E você... carrega o loop pra mim.

Takemichi deu um passo à frente, os olhos marejados. — Então é isso? Eu tô preso porque não te deixei morrer?

— Não, Takkun. — Mikey levantou o olhar, com lágrimas escorrendo. — Você tá preso porque não conseguiu viver sem mim.

O silêncio pesou.
A brisa parecia lamentar.

— Eu tentei descansar — continuou Mikey, a voz trêmula — mas toda vez que o loop recomeça, eu sinto você gritar por mim de novo.
Ele segurou o rosto de Takemichi com as mãos frias.
— Eu sinto o teu desespero, o teu medo de ficar sozinho. E isso me traz de volta.

Takemichi encostou a testa no peito dele, soluçando. — Eu só queria te salvar, Mikey... eu só queria consertar tudo.

Mikey o abraçou, apertado.
— Eu sei. E eu só queria te amar sem te destruir.

Por um instante, o mundo pareceu parar.
A dor, o tempo, o vento — tudo sumiu.
Só os dois, presos no mesmo instante, tentando achar ar num oceano que só afoga.

— Se você quer me libertar... — sussurrou Mikey, encostando os lábios na orelha dele — você precisa se libertar também.

Takemichi o olhou nos olhos. — Eu... preciso morrer?

Mikey assentiu devagar.
— É a única forma.

Takemichi riu entre soluços, a voz quebrada.
— Você sempre faz tudo parecer tão simples, Mikey...

Mikey sorriu fraco. — Eu nunca fui simples. Você que sempre me viu como alguém que podia ser salvo.

Eles ficaram assim por um tempo.
Um silêncio cheio de tudo que não foi dito.
O som do mar batendo nos rochedos.

Mikey se afastou um pouco, ainda segurando a mão dele.
— Eu te esperei em todos os loops, Takkun. Mesmo quando você me esquecia, eu ainda sentia você.
Ele sorriu, triste. — Cada "amor" que eu te disse era uma lembrança que o tempo roubava.

Takemichi chorava sem som.
— Eu lembro agora... — sussurrou. — Eu lembro do penhasco. Do teu sorriso. Do mar...

— Então lembra disso também. — disse Mikey, encostando a testa na dele. — Eu nunca te culpei. Só não quero te ver preso no mesmo inferno que eu.

O sol, enfim, começou a cair atrás do horizonte.
O mar ficou vermelho.
E o vento parou.

— O sol morre aqui. — disse Mikey, baixo. — Mas a gente pode morrer junto, se quiser.

Takemichi fechou os olhos.
Um sorriso cansado, cheio de paz.
— Então... me espera. Só mais um loop.

Mikey assentiu, com lágrimas caindo. — Eu sempre espero.

E quando o sol sumiu completamente, o mundo se partiu mais uma vez.
O mar engoliu o som.
E Takemichi acordou... de novo.

Mas dessa vez, a cama estava vazia.
E no travesseiro, a pulseira de dragão.
Com sangue seco.


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Loop Temporal - Mitake pt 1Where stories live. Discover now