—Tenho aula esta manhã. – contrapôs.

—Bom, tenho certeza que chegar alguns minutos atrasada não fará mal.

—As terapias duram uma hora.

—Vou ligar para escola, ok? – retorquiu ela, um pouco impaciente. – Thomas e Nathan vão te levar à clínica. Não se demore.

Ela começou a andar em direção a saída, mas parou por um instante e olhou por cima do ombro como se para ter certeza que eu não voltaria a submergir na banheira.

—Eu te amo querida.

Sem esperar que seu manifesto de afeto fosse correspondido abriu a porta e saiu. Ouvi seus passos se afastando no corredor do segundo andar e me senti tentada novamente a me afundar dentro da banheira, mas sabia que se permanecesse por muito mais tempo ali minha mãe voltaria a me procurar.

Sem outra opção sai da banheira com algumas gotas de água ainda rolando pelo meu corpo e caminhei até as minhas roupas penduradas em um gancho na parede a direita da porta. Era a mesma camisa xadrez azul e o mesmo jeans desbotado que havia usado no dia anterior, mas isso não tinha grande importância.

Em um dos bolsos da camisa devia ter um frasco de haldol cheio de comprimidos cor de rosa que se pareciam com balas de morango, mas que não tinham exatamente esse gosto se chegasse a mordê-las, para ser sincera, não tinha o gosto de qualquer coisa que fosse agradável.

Tirei um comprimido do frasco e o engoli em seguida comecei a me vestir. Era aquela mesma rotina todos os dias. Era uma viciada em antipsicóticos de quinze anos que gostava de Arcade Fire e cereais de chocolate que vinham com brindes feitos de plástico colorido. Tomava remédios todos os dias para me manter sã tempo suficiente para parecer normal na frente das outras pessoas e voltar para casa e ingerir mais comprimidos.

Depois de me vestir peguei meus óculos abandonados em cima da pia do banheiro e sem intenção vislumbrei meu reflexo no espelho preso a parede. De uma forma geral, eu era a que mais se parecia com nosso pai. Havia herdado seus problemas de visão, seu cabelo cor de carvão nem muito liso nem encaracolado, que por motivos muito mais ligados a praticidade do que estética o mantinha sempre curto, e sua tendência a ter um físico nem um pouco atlético.

Poderia me sentir mal todas às vezes que visse minha própria imagem e lembrasse que não fui tão favorecida como meus irmãos pela genética da família, mas como eu demasiadamente evitava olhar para superfícies reflexivas, isso não parecia um grande problema.

A casa ainda cheirava a pão tostado com manteiga quando saí do banheiro e tudo parecia calmo, do jeito Evan de estar e não da maneira como qualquer outra pessoa descreveria. Minha mochila, a azul repleta de buttons de bandas e não a militar cheia de pedras, estava sobre a mesa da cozinha próxima a uma travessa de quadradinhos pretos de centeio que deveriam ser as torradas.

Mamãe provavelmente a havia posto lá antes de subir até seu quarto e terminar de se arrumar para ir ao trabalho, mas não antes de vasculhar cada bolso e centímetro dela atrás de qualquer coisa que parecesse suspeito. Quando você é um suicida e tragicamente seus planos de morte não se concretizam, você pode ser qualquer coisa daqui para frente. A capitã das líderes de torcida da sua escola, o atendente do caixa 6 ou o presidente dos EUA, mas nunca será alguém realmente confiável e sempre estará sendo vigiado por qualquer outra pessoa que acredite que você vai fraquejar e tentar se matar outra vez.

Sem conferir se mamãe havia tirado algo do lugar, peguei a mochila e a joguei sobre minhas costas e imaginando que o gosto das torradas sobre a travessa deveria estar pior que sua aparência segui para a porta da frente.

A Garota Afogada do Lago GreeneOnde as histórias ganham vida. Descobre agora