8_Terraço Do Café à Noite

8 2 26
                                    

Amélia:

Hoje é o tipo de dia que te faz querer pausar o tempo, passar um dia sem viver e se perguntar o que fez com a sua vida, mas para descobrir o que eu fiz com a minha vida eu preciso viver, e ir para a faculdade.

Amy permaneceu quieta durante o café da manhã, e isso é algo que quase me faz ajoelhar no asfalto e começar uma oração de gratidão a Deus! Mas eu estou de jardineira jeans curta, ao invés de agradecer, meus joelhos pediriam socorro; então deixo a ideia de lado.

- Que horas você volta para casa? - Amy pergunta, fintando o livro com imagens da capela sistina e a escultura de Davi. Lê mentalmente os parágrafos entediantes sobre a vida dos artistas e como eles foram influentes na história e evolução da arte.

- Não sei, mas volto antes das seis.

Estamos na aula de filosofia, uma das mais importantes, por incrível que pareça, mas também uma das menos interessantes. Precisamos dessa aula para aprender a ler o sentimento na tela na percepção de um artista, não de um espectador. Essa é aula que Amy mais detesta; ela é fascinada por ação, movimento, tanto é que apesar de trabalhar bem com natureza morta essa não é sua área favorita na arte; o que ela ama é o teatro e a dança. Bem, eu? Eu sou uma mante de esculturas e pinturas, seja pela variedade de materiais e como é importante pensar na escolha de cada um deles, são os elementos da obra, logo, são o que vai cumprir a missão de montar a imagem e causar uma certa reação. Um quadro que fora pintado com espátulas não transmite a mesma coisa que um quadro pintado com aquarela; giz pastel; tinta acrílica; guache e por aí vai. Gosto de ter várias opções e de sujas as mãos. Na aula de filosofia eu não tenho como sujar as mãos. Chato.

A sala é quieta, de modo que qualquer estalar de língua ou estalar de dedos soa como um trovejar alto e pesado, é como se a pressão atmosférica fosse umas mil vezes mais forte aqui. Todos nós nos sentimos esmagados. Bem, pelo menos uma grande parte de nós. Não é que a maioria dos artista não escolheram esse caminho por amar o que fazem, mas é óbvio que ter uma saúde mental ferrada é um baita de um gatilho para tomar essa decisão, e refletir demais, de modo que uma memória incômoda e desagradável retorne à mente, é uma merda nessas condições.

Me foco em mascar o chiclete que já perdeu o sabor de menta há um tempo, jogando-o de um lado para o outro na língua. Balanço as pernas e giro o lápis na mão, observando os movimentos circulares que o objeto faz ao girar em meus dedos e retornar para a posição inicial. Depois de fazer isso por um certo tempo, se torna mais divertido.

- Essa imagem, o que ela diz para vocês? - o professor pergunta, indicando um slide exibido na lousa digital.

É a imagem de uma mãe, carregando a filha com apenas um dos braços enquanto pinta os cílios com rímel diante de um espelho, tão sujo quanto o do meu apartamento estava antes de ontem. A mulher não veste nada, a não ser uma calcinha de seda, e a criança parece focada em encarar a câmera enquanto a mãe a segura na altura dos seios para amamentá-la. A imagem me parece deprimentemente rotineira; e é uma droga que esse pensamento não me tenha vido à cabeça por uma análise limpa e justa. A primeira coisa que penso ao ver isso é minha mãe; sozinha depois de ser abandonada, grávida de mim e tendo que cuidar de Jonan. Ela era jovem, tinha muitas coisas para viver ainda. Não é que mães sejam privadas de viver ou amar a si mesmas; sair com amigas ou devorar uma pizza simplesmente porque querem, mas é que... depois de colocarem uma nova vida no planeta, elas tem uma nova prioridade, e isso atrapalha um pouco as coisas. Bem, eu quero ser mãe, mas ver como muitas mães julgam umas às outras às vezes me deixa assustada.

Tento limpar a cabeça e analisar outra vez. O olhar dela no espelho. O Olhar da criança para a câmera. A despreocupação da mãe em estar sendo fotografada neste estado. A firmeza nos braços ao realizar a tarefa de segurar a bebê e se maquiar... Cuidado. Cuidar; amar, é a primeira coisa que me vem à mente, mas também me vem outra palavra: tempo. Ela está cuidando dela mesma, e ao mesmo tempo da filha, isso demanda um tempo apertado, mas ela parece despreocupada coma escolha que fez... é isso, tempo de cuidado...? Não, ainda não é isso...

Pinte Suas LágrimasOnde histórias criam vida. Descubra agora