𝙋𝙧ó𝙡𝙤𝙜𝙤

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O sangue escorreu pelas minhas mãos e pingou em gotas grossas no chão da tenda. Pressionei a ferida com mais força, me sentindo mais tensa que o costume.

— Gaze! Alguém me alcança a gaze, por favor!

Gritei, minha voz soou mais aguda do que eu gostaria naquele momento de tensão.

Respirei fundo.

Uma mão me alcançou o tecido fino que utilizei para estancar a ferida na perna do homem. Segurei firme por alguns minutos, enquanto tentava conter o fluxo de sangue que teimava em escapar.

O homem é um soldado. Ele veste um uniforme militar nobre, tipicamente de guerra, entretanto está muito sujo e rasgado. É como se a própria farda tivesse testemunhado por si os horrores da guerra.

Mesmo sujo, sua presença não exalava o cheiro característico de morte e desespero que eu estava acostumada a sentir ao cuidar dos feridos, ele exalava um cheiro de bergamota e canela.

Um grunhido doloroso sai de seus lábios.

Pressiono a ferida com mais força.

Ele parecia mais jovem do que eu, não muito, mas mesmo maltratado pela guerra, ele tinha expressões menos enrugadas do que os homens de vinte e poucos anos poderiam ter.

Queria perguntar sua idade, me parecia muito novo para estar lutando em uma guerra, mas, eu tenho vinte e cinco anos, eu também sou muito nova para isso.

Ele tem uma pele muito bronzeada, marcada pelo sol impiedoso do Oriente Médio, ou talvez pela sua própria ascendência, que lhe conferia traços marcantes. Cabelos escuros começavam a crescer na cabeça antes raspada, juntamente com a barba por fazer. Seus olhos, em um tom penetrante de azul, capturavam minha atenção de uma forma que eu não esperava.

Ele é bonito, muito bonito para alguém envolvido no caos da guerra.

— Está muito ruim, doutora? — Sua voz quebrou o silêncio tenso da tenda.

Sua fala me trouxe de volta à realidade, e só então percebi o brasão do exército brasileiro em sua roupa. Ele faz uma careta de dor.

A tenda não era muito grande, devia ter o tamanho de seis ou sete carros estacionados. A maioria dos pacientes estava morta ou desacordada, e tinha poucos médicos e enfermeiros que estavam ocupados em seu caos pessoal. Os pacientes estão descansando de procedimentos mal-executados e perigosíssimos, por conta das condições do ambiente. Fazíamos o nosso melhor, mas nem sempre nosso melhor era adequado ou realmente bom. Não tínhamos material estéril o suficiente, nem disposição abrangente de medicamentos, muito menos luz, água e equipamento adequados.

Tudo estava relativamente quieto, menos ele.

Ele não parecia ser do tipo quieto.

As sombras dançavam nas paredes da tenda, projetando uma atmosfera sombria sobre tudo e todos.

Às vezes, era difícil distinguir entre os vivos e os mortos, entre aqueles que tinham uma chance e aqueles que já estavam além de qualquer ajuda.

— Não, é só um corte grande e profundo. Vou precisar limpar e fazer alguns pontos, tudo bem? — O corte na perna do soldado era um dos piores que já tinha visto nas últimas semanas, mas como médica precisava manter a calma, então o tranquilizei.

Afinal, não foi a pior coisa que eu vi em campo. Entretanto, ele era provavelmente a coisa mais bonita que vi em meio a armada. É mais difícil sermos frias ao sofrimento de pessoas muito bonitas.

— As coisas estão muito feias ultimamente. Dei graças a Deus que somente rasguei a perna em um vergalhão, muitos colegas foram mortos e perderam partes dos corpos há poucos minutos. Largaram uma bomba perto de nós. — Ele diz.

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