O Inimigo

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Ela estava no lombo daquele lobo transmorfo, seu irmão estava logo à frente, preso pelos braços da irmã que circundavam sua cintura, as mãos agarradas firmemente nos grossos pelos do lobo.

Depois daquele lobo ter matado os soldados, ele permitiu que as crianças subissem em suas costas, então começou a correr, tão rápido que era difícil se manter nas costas dele, mas ela se agarrava com toda sua força para que não caísse, os dedos doloridos, tamanha força com a qual ela segurava nos pelos daquele lobo.

Em determinado momento do percurso, ela teve certeza de que adormeceu, mas seu corpo estava tão tenso e rígido que conseguiu se manter em cima do lobo, porém, houve um apagão e, quando ela se deu por si, estava em uma praia.

À noite, o mar parecia uma extensão infinita de escuridão e a areia fazia um contraste pálido. Havia galés próximos da costa, ao menos uma dúzia delas, além de marinheiros e soldados andorinos, o que consistia em homens e mulheres armados com lanças, arco e flecha, cimitarras e arpões.

Esses soldados corriam de um lado para o outro, gritando ordens e instruções de ações, pareciam todos assustados, os olhos arregalados indicavam isso, estavam perdidos.

Então, quando o lobo começou a desacelerar até um caminhar, ela notou as crianças, estavam amontoadas na areia, encolhidas, chorando em silêncio, algumas estavam feridas, sujas de sangue ou cobertas de fuligem dos incêndios.

O lobo se abaixou para que ela descesse, pegando seu irmão em seguida. O animal se transformou novamente em um homem de corpo forte, ele tinha os mesmos cabelos e olhos vermelhos que ela.

O homem a guiou até onde as crianças estavam, ouviu ao longe alguém gritar:

– Leve as crianças para as galés!

Foi nesse momento que os marinheiros começaram a pegar as crianças como se fossem peixes pescados, jogando-as sobre os ombros, segurando-as pelos braços, agarrando as roupas.

Ela segurou firmemente a mão de seu irmão e foi levada para uma das galés.


O Porto das Camélias era tão grande que se parecia com uma vila, com piers interligados, formando passarelas de madeira sobre o mar. Vários barcos estavam aportados, um deles era fixo e foi transformado em uma taverna, muitos marinheiros estavam reunidos ali, bebendo e rindo alto.

Na encosta haviam barracas de madeira sobre a pedra escavada para formar um terreno plano, uma escadaria de pedra levava para aquele local. As barracas vendiam comida, em sua maioria, e o aroma de frutos do mar preenchia o ar juntamente com odor de cerveja e maresia.

Havia muitos marinheiros embarcando e desembarcando mercadorias, barganhando os preços diretamente com comerciantes, que gritavam pedindo desconto. Contrabandistas também negociavam a distribuição de seus produtos ilegais e até mesmo um lugar em suas embarcações para transportar pessoas ilegais para outros países, ou cidades.

Merle sabia que o Porto das Camélias era conhecido por seus serviços de transporte muito flexíveis para clientes dispostos a pagar. A guarda de Záfira permitia porque recebia um extra.

Desceu as escadas de pedra que eram grandes e largas o suficiente para que Merle conseguisse fazer Nuthi descer, ainda que estivesse hesitante. Ela amarrou sua égua em um poste de madeira perto da escada e se esgueirou entre a multidão. O capuz de sua capa preta cobria seu rosto, embora duvidasse que qualquer um ali a denunciaria para algum guarda.

De longe, ela avistou a embarcação que procurava, Lágrimas de Viúva. A figura de proa de seu navio era uma mulher de bronze, lágrimas caiam por seu rosto, a boca estava aberta em um grito silencioso, as mãos seguravam o próprio rosto, que estava congelado em uma expressão de eterno desespero por ter perdido tudo que um dia amou, um tipo de luto que era como milhares de agulhas enfiadas em seu coração, penetrando cada dia mais e mais.

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⏰ Last updated: Apr 27 ⏰

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A Canção do Pássaro NegroWhere stories live. Discover now