O Comício de Pardais

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Enquanto ela corria rápido pela floresta escura, segurava com força o totem de seu pai com uma mão e, com a outra, agarrava a mão de seu irmãozinho.

A família Horuzin, uma das grandes casas do país de Andoras, era portadora do totem da Águia da Lua há séculos, o objeto era sempre passado de geração em geração para o líder da Casa, porém, nem sempre era alguém capaz de usar a magia do totem. Seu pai, apesar de ser o herdeiro de direito da casa Horuzin e o líder, não era um transmorfo, não conseguia utilizar o totem.

Antes do domínio do Império Arash, a terra chamada de Andoras era lar do povo matírio, os transmorfos, que mudavam sua forma de acordo com seu totem. Os matírios puros eram dotados de cabelos vermelhos escuros e olhos igualmente vermelhos, porém, depois da invasão do povo rassari, os antigos nômades do deserto, responsável pela instituição do Império Arash, o sangue passou a se diluir com o dos rassaris, tornando os transmorfos cada vez mais raros.

Após a queda do império, dois países se formaram, Arashia e Andoras, a maioria do povo de Arashia tinha a etnia mais parecida com a dos rassaris, enquanto o de Andoras se assemelhava mais com os matírios. Os andorinos sempre buscaram fortalecer sua herança matíria através do matrimônio, casando os líderes das Grandes Casas com aqueles cujo sangue matírio era mais expressivo, na esperança de gerar cada vez mais transmorfos.

A diluição do sangue matírio não foi a única coisa que a invasão rassari provocou, mas o conhecimento sobre a magia dos totens se perdeu durante o império, por isso, os totens existentes não eram apenas únicos, eram uma herança insubstituível.

Agora, ela tinha nas mãos a coisa mais valiosa da Casa Horuzin, algo que ela não fazia ideia se conseguiria usar ou como usar.

Enfiou o totem por dentro da blusa para que ficasse mais protegido, mantinha os olhos fixos à frente, embora não soubesse para onde ir. Olhava através da penumbra da noite, conseguia enxergar no escuro, assim como a maioria dos andorinos mais próximos dos matírios.

– Está me apertando muito – Mahir resmungou, tentando se livrar da mão dela. – Eu quero a mamãe.

– Eu também – ela sussurrou baixinho, sem afrouxar o aperto em seu irmão.

O medo penetrava no corpo dela feito agulhas de gelo, fazia-a estremecer, bater os dentes e seus pensamentos eram enevoados, ela não conseguia pensar em nada, não conseguia ouvir nada que não fosse a pulsação forte em seus ouvidos.

De repente, ouviu um zunido se aproximando, conseguiu localizar a direção do ruído e viu um vulto pequeno cortando o ar. Ela agiu rápido, colocando o braço no peito de seu irmão empurrando-o para trás ao mesmo tempo que ela própria impulsionava seu corpo, caindo sentada.

Uma flecha passou diante de seus olhos e se enterrou no tronco de uma árvore.

Logo em seguida, ela viu um ponto luminoso se aproximando rapidamente, uma tocha. De trás das árvores surgiram dois soldados com aquele uniforme verde escuro. Eles tinham pele clara e cabelo castanho. Um deles segurava uma tocha, tinha um arco pendurado no ombro, o outro brandia uma espada e, quando a viu, abriu um sorriso que causou um arrepio na espinha da menina.

Instintivamente, ela agarrou seu irmão com força, como se pudesse proteger seu irmãozinho de dois homens adultos. Nunca se sentiu tão impotente. O pânico era bombeado pelo seu coração acelerado por todo o seu corpo. Ela iria morrer, tinha certeza disso.

Eles trocaram algumas palavras em uma língua com um tom forte, como um rosnado, pronunciando fortemente a letra R.

Aquele com a espada se aproximou, estava óbvio que iriam executá-los. Mahir chorava em seus braços, ele tremia e enterrava seu rosto no peito dela, como se assim pudesse fugir daquela situação. Ela o envolveu fortemente com seus braços e falava baixinho com ele, dizia que estava tudo bem, que tudo ficaria bem, tentou manter a voz firme, embora seu lábio tremesse sem parar.

A Canção do Pássaro NegroWhere stories live. Discover now