Episódio 22 - Agda: Morte

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Enfrentar um colosso na altura dos pés seria mais eficaz, ele dificilmente me veria entre as árvores com suas copas volumosas. Eu mergulhei no ar e planei rente ao solo com os braços protegendo o rosto. A substância aquecida nas asas abertas acertou alguns exilados que marchavam para a sala do trono. Eu sofri vários cortes e alguns soldados de Acalla tentaram me derrubar no percurso, minha visão estava comprometida pela situação de forma que eu não enxerguei a lâmina de pedra que se ergueu do chão já nos limites da floresta. Eu seria partida ao meio pela magia elemental se não fosse a ação rápida da minha companheira que se jogou sobre mim me tirando dali.

- Calla! Você... você está viva! - Eu a abracei sem me preocupar com qualquer outra coisa - Eu fiquei tão preocupada!

- Eu te procurei tanto! - Disse ela com a voz embargada - Eu vi quando te trouxeram para o palácio e me aproveitei do ataque pra entrar e te encontrar! Eu tava lá em cima na parte de fora do castelo quando você passou voando por mim!

- Onde nós estamos?

- Onde preparam os alimentos. Eu pensei que aqui seria o lugar mais seguro para aparecer e... bem... não tem ninguém aqui.

Eu adorava quando ela tinha razão, mesmo nas pequenas coisas.

- Eu preciso ajudar. Essa batalha é minha também.

- Vamos fazer isso juntas!

Saímos para o saguão principal e demos de cara com dois membros da Nação Exilada. Nós reconhecemos a energia de um deles, era o Seguidor da Morte que arrastou Anna para o abismo.

- Estamos aqui pela causa! Deixem o castelo agora!

Um bater de asas me colocou diante deles. Nossas intenções foram evidenciadas pela energia em expansão, a hostilidade que exalávamos os levou a reagirem. O Seguidor da Morte tentou uma estratégia parecida com aquela em Verídia. Com um golpe da asa eu interrompi sua performance lançando-o contra um dos pilares do saguão. Tentei fazer o mesmo com o outro que usou a desmaterialização para atravessar as escamas petrificadas, ele retomou sua forma e me acertou no rosto com um soco. Eu devolvi o golpe que novamente passou direto pelo seu corpo, em troca recebi duas investidas no peito que me levaram ao chão. O Seguidor da Morte tentou me acertar se aproveitando da minha vulnerabilidade, mas eu estava preparada para ele e disparei outro golpe das asas em brasas que o jogou para cima.

- Pega ele lá em cima, deixa esse aqui comigo! - Propôs Calla convicta.

Olhei para o teto e vi que o Seguidor da Morte havia desaparecido, eu alcei voo à sua procura caindo direto na armadilha. Vários tentáculos foram conjurados das sombras projetadas pelos pilares. Em defesa, eu me fechei nas asas acesas em um ato impensado de preservação própria. A proteção das escamas imitava a casca de um ovo, quente e rígida, quase impenetrável.

- Você busca segurança. Eu trago a morte!

Senti a pressão crescente dos tentáculos me envolvendo por fora. A escuridão do próprio abismo foi manipulada para selar aquele casulo obscuro que me suspendia entre os pilares.

- Vai direto para o abismo!

A imunidade à minha própria magia me livrou de queimar pelas asas em brasa, foi o ar em chamas entrando pelas minhas narinas que causaram o estrago maior. Eu me desconectei da dor concentrando a energia da metamorfose até o limite que aguentei sem perder a consciência.

- Os abençoados com a arte da adaptação desconhecem os limites para a incorporação. Eu performo a mutação, a mudança, o desprendimento do mundo carnal, me convertendo ao elemento sombrio em um ato de preservação final.

As asas se apagaram quando os meus tecidos desfiaram. A energia abissal que eu sentia como ameaça se tornou convidativa e familiar, quase viciante. A absorção das trevas e a mutação na criatura incorpórea me tornou em algo sobre-humano. As asas imateriais rasgaram o casulo que me guardou durante o processo da metamorfose, marcando o nascimento da entidade sombria na qual eu me tornei. O abismo estava em mim.

AcallaWhere stories live. Discover now