III. Wing

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escrito originalmente em 20 de janeiro de 2021

reescrito entre 22 e 24 de abril de 2024

[🍫]

Gon tinha feito quatorze anos há um mês, assim que viu a imitação outra vez.

Killua tinha enfim conseguido convencer o próprio pai que o permitisse estudar na sua escola, e ele mal havia acabado de acordar de uma aula de álgebra, coçando as pálpebras e bocejando, quando começou a reclamar insistindo no quão entediante o "quatro-olhos" podia ser. Primeiro, pensou que ele estava exagerando, pois seu melhor amigo reclamava demais para alguém que entendia matemática ㅡ afinal, quando pensava em números, bastava apenas seu cérebro desistir, fazer as malas e ir embora morar na cabeça de outra pessoa.
O Zoldyck deitou o queixo na mesa novamente, cílios parecendo mil vezes mais pesados pelo sono, e resmungou, dentre muitas coisas, algo que fez Gon atentar os ouvidos ao falatório.

ㅡ Sabe o que eu acho? ㅡ ele perguntou, recebendo apenas um murmúrio de resposta. ㅡ Acho que aquele cara precisa transar.

Franziu o cenho, endireitando a postura apenas para o mirar com um leve rubor nas bochechas, além de inegável curiosidade e inquietude pelo tópico.

ㅡ Por que você acha isso?

ㅡ Porque ele jogou a porra do apagador na minha cabeça! ㅡ e Killua exclamou, irritado, como se aquilo fosse explicação suficiente.

ㅡ Não foi isso qu-...

ㅡ Eu vou matar ele ㅡ interrompeu ㅡ, juro, Gon, na hora que aquele mané der mole, eu...!

A porta foi aberta.
O tal professor surgiu, com as roupas bagunçadas, camisa mal posta dentro das calças como se fosse uma criança que precisava de ajuda para se vestir ㅡ teria sido anormal, se fosse qualquer outra pessoa ali que não Wing. Ele sempre estava daquela maneira, tropeçando nos próprios pés, com óculos tortos e caindo pelo próprio nariz (às vezes, sem), cabelos bagunçados e sorriso tranquilo no rosto.
O homem parecia ter saído direto de um comercial sobre pessoas estabanadas, que apesar de causarem problemas a si mesmas onde quer que passavam, não percebiam ser de tal maneira ㅡ por isso viviam calmamente e alheias ao caos.

ㅡ Oh, olá, Gon. ㅡ Wing acenou com a cabeça. ㅡ E olá para você também, Killua.

Wing ㅡ o platinado retrucou, ríspido.

ㅡ Professor! ㅡ E Gon sorriu, virando-se em direção ao mais velho o cumprimentando com um aceno, ainda que tivesse acabado de vê-lo sair da sala. ㅡ O que faz aqui?

ㅡ Eu esqueci meu... Uh... meu... O que foi que eu esqueci, mesmo? ㅡ Ele suspirou, balançando a cabeça em negação. ㅡ Ah, que vergonha...

Killua riu, em escárnio, e Gon o deu uma cotovelada para que ele parasse de se comportar daquele modo, sabendo bem que seu melhor amigo poderia ser o cúmulo da má educação se estivesse disposto.
Mas como Killua pouco aceitava sem retribuir, deu-lhe um empurrão, e de alguma forma os dois caíram aos socos, estapeando-se, usando qualquer objeto no caminho como arma naquela picuinha. No meio, até derrubaram uma cadeira ㅡ e o barulho alto soou, sem de fato perturbar o professor, mas chamando atenção dos dois meninos que de imediato pararam para observar o objeto.
Wing juntou as mãos numa palma, alegre.

ㅡ Meu apagador!

O homem se apressou até o quadro, indo pegá-lo com uma ânsia anormal, tão animado e agitado que inclusive derrubou o apagador; além da poeira e gizes coloridos que se espatifaram no chão, os garotos conseguiram ver uma pequena bituca de cigarro amassada.
Wing empurrou os óculos com a ponta dos dedos, juntando a bagunça com um sorriso desajeitado, recolheu seus outros pertences e saiu da sala tranquilo.

ㅡ Ele não tem cara de quem fuma... ㅡ Gon murmurou, baixinho, ainda encarando a porta por onde o professor havia acabado de sair.

Então, ouviu Killua rir ㅡ virou-se para ele assistindo o sorriso arteiro tomar metade de seu rosto, a mão desesperada dentro da bolsa buscando incessante algo do mesmo modo inquieto que Wing anteriormente buscara o apagador.
O moreno torceu o nariz, adivinhando já o que ele procurava repreensivo.

ㅡ Killua, não.

ㅡ Killua, sim ㅡ ele contradisse, eufórico ao exibir o maço de doces.

Gon recordava de, naquele dia, ter visto seu amigo rodar numa cadeira giratória com um cigarrinho pendendo pelos lábios, olhar de deboche e uma régua na mão.
Novamente, teria de admitir.
Killua, com uma parte de sua camisa para fora das calças, um sorriso tapado no rosto e os óculos reserva que o professor de álgebra, incrivelmente, esqueceu no chão da sala, tornava-se irreconhecível.

E, quem sabe, apenas engraçado o suficiente para lhe deixar abafando um riso na palma da mão.


Cigarrinhos de Chocolate [🍫] KILLUGONWhere stories live. Discover now