I. Kaito

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escrito originalmente em 20 de janeiro de 2021

reescrito em 21 de abril de 2024

[🍫]

A primeira vez que Gon viu seu melhor amigo com um cigarro nos lábios, os dois tinham doze anos, e ele quase chorou de rir.

Foi numa terça-feira qualquer, durante as férias de 1999, em que estava entediado e seu perfume ficava mil vezes mais nauseante quando era exposto às ondas de calor do lado de fora do shopping. Era por volta de meio dia e ambos tinham acabado de sair de uma sessão do cinema, em que haviam visto Matrix, por insistência de Killua ㅡ estavam com fome, e ainda que eufóricos pelo filme (e falantes até demais para a opinião de sua tia), foram direto para a praça de alimentação, insistindo para que a mulher os permitisse ficarem reclusos nos assentos de acolchoado curvados ao redor do grande palanque no centro do lugar.
Mesmo que Mito estivesse hesitante em deixá-los sós, ela garantiu que poderiam fazê-lo contanto que ficassem a uma distância aceitável dela, pois ㅡ agora que Gon parava para pensar ㅡ já devia estar bastante cansada da falação.
Os dois comemoraram, e foram correndo comprar comida.

Ao que o moreno dava suas primeiras mordidas no seu hambúrguer, seu melhor amigo voltava até a mesa com uma pose confiante, um sorriso bobo no rosto e cara de quem sabia demais.
Ele se sentou em sua frente, cruzou os braços, e engrossou a voz:

ㅡ Sabia que eu sou um homem muito ocupado?

Bem, Gon quis rir.
Porque os dois haviam se medido mais cedo naquela manhã ㅡ já que planejavam ir em brinquedos com restrição de altura quando fossem ao aniversário de um amigo no parque de diversões, após o filme, sem supervisão de responsáveis ㅡ, e com exatos um e cinquenta e oito, aquela feição infantil e sorriso abobado, Killua poderia ser descrito por muitas palavras, mas "homem" por enquanto não seria uma delas.
Ele seria, no máximo, garoto. E, se Gon não soubesse que levaria um tapa caso usasse a palavra, também poderia encaixá-lo no termo "moleque".
Ao invés de falar isso, apenas sorriu, apoiou o queixo na palma da mão e o encarou fascinado.

ㅡ É?

ㅡ Claro! ㅡ Então levantou as sobrancelhas, estufou o peito e semicerrou os olhos, abobalhado. ㅡ Estou trabalhando em todo lugar, afinal a biologia é estar vivo!

O moreno prendeu um riso, percebendo que ele imitava seu padrinho.

ㅡ Ó, se liga no jeitão do xará aqui e diz se eu não 'tô a cara do Kaito ㅡ dessa vez falou, com seu tom de voz normal, enfiou a mão nos bolsos e coçou a garganta.

Ele tirou do bolso um isqueiro, e, dessa vez, Gon não conseguiu segurar a risada. Oras, Killua nunca cansava de insinuar que seu padrinho era um maconheiro, e na última vez que ele falou isso, Kaito coincidentemente estava por perto, engasgou num copo d'água e arregalou os olhos perguntando como diabos aquela criança sabia o que era um maconheiro.
Gon tentou justificar que já eram pré-adolescentes ㅡ ainda que ele, por si só, já não soubesse exatamente o que aquilo significava ㅡ, mas o homem parecia mortificado o suficiente para decidir não comentar mais nada.
Contudo, isso não significava que aprovava esses acontecimentos (e muitas vezes deu sermões a Killua sobre o porquê era errado falar assim dos outros), então tentou manter sua expressão o mais séria possível e voltou a encarar seu amigo obstinado a não deixar com que ele soubesse o quão engraçado achava aquilo.

E aí ele tirou, de uma sacolinha plástica que tinham adquirido quando foram à loja de doces ㅡ antes do filme ㅡ, uma caixinha, e foi a vez de Gon arregalar os olhos. Olhou para onde sua tia estava sentado ansioso, torcendo para que ela não conseguisse ver o que estava na mesa, mirou Killua prestes a gritar perguntando como ele havia conseguido aquilo.
Então ele abriu a caixinha, tirou um cigarro e pôs na boca.

ㅡ Presta atenção na melhor parte ㅡ prosseguiu, como se não fosse nada, com o cigarro entre os lábios.

O isqueiro foi aproximado da pontinha do objeto, e o moreno ansioso buscou algum segurança nas redondezas ㅡ se fossem pegos, poderiam dar adeus ao aniversário de Zushi, mas Killua continuava a sorrir totalmente alheio ao seu medo.

ㅡ Killua... ㅡ chamou, repreendedor.

Seu melhor amigo levantou os olhos, curioso em saber a razão de ter sido chamado, e naquele momento Gon percebeu que a chama nada havia feito na pontinha do "papel". Não houve queimação no cigarro, e nenhuma fumaça parecia que iria sair.
Foi quando um pequeno barulhinho foi audível.
Creck!
Killua havia mordido a bituca, e ela estalou ㅡ alto.
Ele se recostou no assento, olhando para o teto como se algo além do grande lustre e painéis de vidro fossem interessantes lá.

ㅡ Os seres mais interessantes desse planeta são as formigas. ㅡ Engrossou a voz novamente, soltando fumaça imaginária. ㅡ E, se eu te ver tentando queimar uma novamente, vai levar outro soco.

Gon murmurou uma concordância.
Quiçá houvesse razão em ele afirmar que seu padrinho fumava, afinal, podia vê-lo perfeitamente ali.
Mas, por precaução, pegou um dos cigarros e apertou ㅡ assistindo-o quebrar no meio e revelar um interior marrom.
Sorriu, passando a fitar Killua outra vez.

ㅡ Você deveria mostrar isso pra' tia Mito.

Ele sorriu junto, mais uma vez.

ㅡ Por quê? Acha que ela vai gostar?

ㅡ Claro!

Gon lembrava de como Mito gargalhou, de vê-la jogar a cabeça para trás, com lagrimas escorrendo pelo canto dos olhos, e como ela abraçou Killua apertado até ele dizer que estava perdendo o fôlego.

Lembrava, também, de ver as bochechas do garoto completamente vermelhas, e um sorriso tímido lentamente aparecendo no seu rosto.

Cigarrinhos de Chocolate [🍫] KILLUGONWhere stories live. Discover now