Essência 3

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Depois de quase me matar de susto, a pequena criatura começou a me explicar as dúvidas que eu tinha sobre tudo aquilo que estava acontecendo. Eu fui escolhido por ele para ser um Guardião, uma espécie de protetor da humanidade que deveria lidar com os monstros que estavam aparecendo. Ele era um Djin, uma criatura mística que vivia longe dos olhos da humanidade desde o início dos tempos. Sua existência aparecia vez ou outra em algumas culturas, como anjos ou fadas. Foi apenas quando o balanço do mundo começou a ser prejudicado com a aparição dos monstros. Com o surgimento de tais criaturas, o Rei se viu obrigado a agir e, para evitar a destruição do mundo, mandou os Djins para conter seu avanço, porém sozinhos eles não tinham poder o bastante.

— Foi assim que o Rei ordenou que dentre vocês humanos alguns fossem escolhidos – o guaxinim disse.

— Mas como nunca vimos nenhum Djin antes? – perguntei.

— Com o avanço dos tempos vocês humanos começaram a ficar cada vez mais afastados da essência que mantinha nossos mundos ligados – ele explicou – o mundo dos Djins e dos humanos foi separado e apenas alguns Djins muito poderosos podiam passar para esse lado. Acho que vocês os chamam de deuses.

— Os deuses são Djins? – eu perguntei desacreditado – tipo, jesus cristo era um Djin?

— Nem todo Djin se parece comigo – ele disse com um suspiro – essa forma é a única que posso ter por que meu poder não é tão grande. Djins que foram divindades um dia podiam se assemelhas a vocês humanos.

Era incrível pensar em algo assim, mas espero que esse tipo de informação não vaze, porque se for assim eu posso imaginar alguns religiosos fanáticos se rasgando de ódio e começando a perseguição contra os Djins.

— Então outras pessoas serão escolhidas? – perguntei.

— Já deve ter acontecido – ele respondeu – assim vamos esperar que as coisas comessem a se acalmar.

Não aconteceu. Detesto ser o arauto das más notícias, mas o trunfo dos Djins para resolver a situação pareceu só piorar a coisa toda. Quando os Guardiões começaram a aparecer por todo lado, a coisa saiu completamente do controle. Os ataques dos monstros começaram a ficar mais frequentes ao ponto de que o exército era completamente inútil para conter o avanço deles. As cidades menores foram perdidas e a população foi forçada ao êxodo para as capitais e cidades maiores, onde a segurança era um pouco melhor.

Os guardiões ainda não eram muitos e isso era o real problema. Guardiões eram escolhidos apenas pelos Djins e isso dificultou muito a aparição de novos Guardiões já que não parecia haver tanto Djins assim. Capitais eram onde eles estavam mais reunidos e isso aumentava a segurança, monstros podiam ser abatidos por esses guardiões e o exército podia segurar as pontas enquanto eles não chegavam, mas isso não duraria para sempre. Como aumento constante dos monstros alguns lugares foram totalmente tomados e a pressão sobre os guardiões foi aumentando à medida que os dias passavam.

Enquanto o problema podia ser contido apenas por grupos privados e a polícia, não havia necessidade de contratar o caríssimo serviço dos Guardiões para a proteção, mas quando a situação saiu da linha da classe trabalhadora, e caiu no colo dos realmente ricos, o problema precisava de solução; a criação das Guildas foi essa solução. Plantações, fábricas, distribuidoras e grandes redes de supermercados eram aqueles que precisavam de proteção mais imediata.

No início, pequenos grupos de Guardiões foram formados, mas rapidamente isso começou a ser insuficiente para a proteção das empresas. Havia todo um problema de que os grupos não eram realmente organizados e muito independentes. Quando esse modelo começou a ficar insustentável, as Guildas foram criadas. Elas surgiram para proteger o bem-estar da população, é dito assim para parecer mais bonito e existem aqueles que acreditam nesta mentira descarada. Era o grande capital e a propriedade privada que eram realmente protegidos por essas organizações. Guildas inteiras foram criadas para proteger as terras cultiváveis do agronegócio, fábricas e empresas. Como um país de grande discrepância econômica, existem aqueles que ganham muito dinheiro. Essas pessoas podiam contratar o serviço de Guardiões, mas a maioria da população precisava da proteção da Guilda Nacional.

A ABG, Agência Brasileira de Guardiões, foi um órgão público que o governo brasileiro se obrigou a criar devido à alta demanda de proteção do povo e dos prédios públicos. Houve um grande descontentamento da mídia, que, no fim das contas, eram controladas pelo grande capital que lucrava muito com os contratos milionários que suas corporações tinham com o Governo. A forma de entrar na agência era a mesma da polícia, qualquer um poderia entrar, mas para ser um agente de campo era necessário ser um Guardião. As pessoas comuns ficavam na parte burocrática ou como apoio de campo, mas nunca enfrentavam diretamente os monstros. Tentei passar algumas vezes no concurso público de Guardiões, já que as condições de trabalho eram melhores, mas eu não consegui por falta de poder e habilidade.

Acabei indo trabalhar para uma guilda privada, mas devido a um erro que cometi não lendo o Contrato, acabei me tornando um escravo dessa empresa. Devido ao contrato leonino, meu "salário" era muito baixo, mesmo que eu estivesse trabalhando feito um maníaco e mal conseguia manter com o mínimo necessário. Às vezes eu pensava se voltar a trabalhar em uma empresa comum não seria melhor para mim, mas o meu contrato com a Guilda me impedia.

Meu primeiro Djin, aquele Guaxinim a quem dei o nome de Jean, foi o que realmente me fez ficar apaixonado naquelas criaturas. Infelizmente, meu tempo junto a Jean não durou nada, durante uma missão, que acabou falhando completamente, meu companheiro foi morto. Fiquei completamente arrasado e me culpei o tempo inteiro por sua morte, mesmo que em seus momentos finais ele dissesse que aquilo não era minha culpa, eu jamais poderia me perdoar. Coloquei na minha cabeça que aquilo nunca aconteceria novamente e me joguei de cabeça em treinamentos constantes. Acabei tomando outros Djins abandonados por seus mestres sob minhas asas, mas eu não permitia que nenhum deles me seguisse durante minhas missões. Não podia permitir que eles morressem por minha incompetência, isso não aconteceria novamente. Djins eram, sim, capazes de lutar, mas o meu trauma foi grande demais para me permitir levar algum deles para o campo. Djins também podiam criar armas incríveis, muito mais poderosos que as armas criadas por humanos.

Quando os humanos começaram a estudar os corpos dos monstros, algumas armas foram criadas. Espadas, adagas, escudos eram muito mais eficientes que balas. Partes boas de monstros eram difíceis de conseguir, então criar armas que pudessem ser reutilizáveis era melhor. Ainda que os estudos tenham avançado muito, as armas criadas por mãos humanas eram mais fracas que aquelas criadas pelos Djins. Com o tempo, armas comuns foram deixando de ser usadas contra os monstros, elas eram ineficientes. Exceto as armas mais poderosas, tipo um míssil balístico, todas as outras eram quase como tentar quebrar uma parede de alvenaria com um cabo de vassoura.

Quando foi descoberto que Djins poderiam criar armas mais poderosas e eficientes, a demanda por essas criaturas foi ao espaço. Guildas ofereciam muito dinheiro por Djins que pudessem fabricar uma adaga que fosse. No Brasil, um Djin que pudesse criar espadas mais simples custava algo como 20 mil reais. Claro, não dava para comprar um Djin, mas um Guardião desesperado poderia "vender" seu contrato com o Djin para uma Guilda. Ela então forçaria o Djin a trabalhar até a exaustão para criar equipamentos. Claro, nem todas faziam isso, mas o que importa a vida de um Djin? Para as empresas, tudo o que importa é lucro, a morte é apenas uma fatalidade.

Eles podiam, sim, criar tais armas, mas sempre havia um limite para o quanto eles poderiam depositar de energia mágica em um item criado. Mesmo que eles se esforçassem muito, nunca conseguiam passar desse limite, e quando não eram mais úteis para seu propósito, eles eram jogados fora como lixo. Imagino se não foi isso que meus pais pensaram de mim quando me abandonaram no orfanato.

Hoje, eu devo ter mais de 30 dessas fofuras vivendo comigo. Mantê-los saudáveis é muito difícil com o dinheiro que eu ganho, mas eu sempre faço um esforço extra. Eles sempre dizem que querem trabalhar para ajudar na casa, mas eu recuso, afinal, não foi para isso que eu os resgatei. Precisei trabalhar dobrado para poder custear meu pequeno orfanato de Djins, e felizmente algumas pessoas me ajudavam ocasionalmente, mas no geral era eu sozinho para tocar o orfanato.

Não é como se eu fosse um guardião muito eficiente, então voltar para casa ferido era algo constante. Mesmo que eu conhecesse muito dos monstros, acompanhar seus movimentos era um problema. Como eu não tinha tanta habilidade, eu precisava pelo menos ter conhecimento, certo? Acalmar meus bebês era sempre problemático, eles eram muito fofos, sabe, preocupavam-se mais com a minha saúde do que eu mesmo. Por sorte, meu país tinha um sistema público de saúde, caso o contrário eu teria gastado todo o dinheiro que conseguia nas minhas missões no hospital. 

Escolhido do ReiOnde as histórias ganham vida. Descobre agora