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Seguiu-se um minuto de apreensão e tensa expectativa enquanto a médica legista do Instituto Médico Legal de Douglas dava dois passos para trás, as mãos erguidas para que as luvas de látex continuassem intactas.

— Cuidado, é uma abelha — apontou uma das alunas.

Bodansky inclinou a cabeça, evitando o choque quando a abelha cruzou o ar diante de seu nariz.
Seu jovem assistente, cujos olhos por cima da máscara cirúrgica eram expressivos, tocou o inseto, atingindo-o com uma bofetada certeira.

— Bichinho asqueroso. — Satisfeito, Yuri baixou a vista.

Esmagou a abelha com o bico do tênis.

— Bem, como a doutora disse, chegou o momento pelo qual todos estiveram esperando — avisou, falando para o grupo de alunos. — Como podem perceber...

Ele pigarreou, disfarçando o súbito desconforto que o atingira ao se aproximar da mesa. Atraído por ruídos, olhou para cima.

Os metais reluziam, tão limpos, mas moscas necrófagas se debatiam contra o vidro granulado de uma das altas janelas, atraídas pelo odor inconfundível, o cheiro de morte.
O jovem auxiliar de necropsia pôde sentir o peso do olhar da legista chefe, encorajando-o.

— Vamos começar — concluiu Yuri, balançando a cabeça para afastar a confusão.

Em um gesto amplo de braços, o rapaz puxou o lençol, revelando as formas voluptuosas do corpo fatalmente ferido: visualizaram cinco perfurações provocadas por disparos de arma de fogo, todas localizadas na região do tórax e abdômen.
Ninguém se moveu, mas tanto Yuri quanto a médica sentiram o modo como os alunos receberam, com um sobressalto, o choque da revelação.
Máscaras foram ajeitadas e suor foi seco das frontes pálidas. Dois ou três desviaram a vista, constrangidos. 

— Por respeito, cobrimos o rosto com um pano, para preservar a identidade — explicou Lia Bodansky. — Não é nada bacana de se dizer, mas, não lembrar que eles têm um rosto pode facilitar na hora do corte.

A voz da médica responsável chegava aos ouvidos do grupo concentrado ao redor da mesa como se viesse de muito longe, ondulando suavemente sobre suas cabeças protegidas por toucas cirúrgicas, terminando nas ferramentas dispostas em uma bandeja de aço.
A doutora Bodansky indicou a mesma bandeja com um mover de queixo. As ferramentas de corte cintilavam, afiadas.

— Começamos com o bisturi — disse.

Por suas sobrancelhas, era de se deduzir que seus cabelos por baixo da touca fossem claros, um loiro platinado de nascença que, somado ao tom leitoso e absurdamente branco de sua pele, poderia anunciar fortes traços de albinismo.
Lia Bodansky prosseguiu com a demonstração:

— É dos cuidados do auxiliar de necropsia se certificar de que o médico responsável pela autopsia esteja pronto para dar início ao processo de abertura do corpo. Em muitas ocasiões, é o auxiliar quem terá de tomar a frente. Por isso, recomendo que prezem pela organização. As gavetas com as etiquetas ficam logo ali, naquela sala fria, do outro lado do corredor. O banheiro fica logo adiante e para a entrega dos exercícios, peço que vão até a minha sala. Garanto que não irão se perder, esse corredor é o que chamo de “espinhal dorsal” do IML.

Ela sorriu, era gentil, mas nenhum dos alunos prestou atenção.
Os sete pares de olhos desceram e subiram pelas formas rígidas e descoloridas do cadáver feminino esticado entre eles; a nudez chocante das genitálias e dos seios fartos expostos ao frio da sala, o excesso contrastante de pelos pubianos, brilhantes de tão negros, agredindo a vista.

— Tudo bem, agora, olhando para mim — chamou Bodansky, se posicionando diante da mesa de necropsia.

Ela ergueu o bisturi de ponta ultrafina, baixando-o lentamente rumo ao seu último destino.

E aí, começou a cortar.

Bodansky & A Mulher ColmeiaWhere stories live. Discover now