Único;

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Começou tudo com uma primeira carta a um estranho que não demorou a descobrir que se chamava Al-Haitham, quando a primeira resposta veio de uma forma completamente inesperada.

Kaveh tinha decidido entrar num programa de “amigos de caneta”, pessoas que trocavam cartas entre si numa forma de combaterem de certo modo a solidão que assolava os seus corações numa época de crise económica bastante acentuada em toda Teyvat. A ideia, tão simples quanto genuína, partiu da nação de Mondstadt, que tentou unir todos os povos através de uma folha de papel, tinta e palavras que traziam contos e histórias novas diariamente aos milhares de participantes. De certo modo, o arquiteto nunca pensou que alguma vez iria obter uma resposta daquelas missivas algo bobas, mas quando foi conectado a Al-Haitham, um estudioso de uma faculdade próxima — segundo as suas descrições — sentiu que deveria continuar respondendo, mesmo que a escrita formal lhe desse a entender que o homem por detrás daquela caligrafia cursiva e bonita fosse mais sério que aquilo que aparentava.

Na segunda carta, o loiro já partilhava os interesses que tinha, tão mundanos quanto poderiam ser, a sua paixão por livros e arquitetura sendo um pólo completamente oposto à admiração pela astronomia e vasto conhecimento que Al-Haitham tinha, mas saber que ambos partilhavam um interesse comum por observar as estrelas fez Kaveh pensar bastante nele naquela noite, o loiro se permitindo sentar na balaustrada da sua casa, os lumes avermelhados se perdendo no cosmos, os pontos brilhantes sendo naquela noite em particular, alvo da sua mais profunda admiração, como uma comunicação silenciosa com o outro homem que, coincidentemente, fazia o mesmo, deitado no relvado do seu humilde jardim, sem imaginar que o seu correspondente fazia exatamente o mesmo, enquanto pensava nas milhentas possibilidades existenciais.

À terceira carta, os dois estudiosos de cidades diferentes da mesma nação partilharam fotos entre si, a pedido de Kaveh, já que queria poder ver a cara do seu colega de escrita. Ele foi o primeiro a enviar uma foto sua, e felizmente para si, Al-Haitham aceitou aquela partilha mais íntima, sem saber bem o que esperar. O estudioso era um belo homem, de cabelos platinados, de feições cinzeladas e de poucos amigos, mas pela qual Kaveh — um total oposto já que era um homem bem mais delicado, embora igualmente eloquente — se apaixonou à primeira vista e sem muitas questões, cada vez mais interessado naquilo que as cartas que trocavam tinham para lhe trazer, já que nunca pensou que fosse trocar cartas tão extensas com ele, e que ao mesmo tempo, carregassem tantas emoções e sentimentos.

Aos poucos, Al-Haitham já não escrevia de forma tão formal, se acostumando com os maneirismos de Kaveh, e isso lhe aquecia o coração, era como se o homem se rendesse também aos seus encantos, e era esquisito pensar que talvez eles tivessem se apaixonado pelas missivas que trocavam mensalmente, mas a verdade, é que ambos se viam ansiosos pela carta um do outro durante dias a fio.

À quarta carta, Kaveh ousou partilhar com o homem, que descobriu ser um ano mais novo; os seus sentimentos que surpreendentemente foram correspondidos. A carta que respondeu às suas preces e pedidos, fez com que o seu conterrâneo, fanático por vinho, saltitando pela casa completamente extasiado, quase tombando de cara no chão. Já Al-Haitham, quando recebeu a confirmação de que o seu pen pal estava começando a gostar de si, correu para contar a Nilou, sua irmã mais nova, que logo o incentivou a continuar a trocar aquelas cartas, quem sabe os dois pudessem um dia se encontrar, já que moravam tão próximos.

Na altura que chegou a quinta carta, tinha estourado a Grande Guerra, e as comunicações se tornaram difíceis. As correspondências eram interceptadas, lidas atentamente por soldados de alta patente encarregues da segurança nacional, e só depois expedidas para seus verdadeiros destinatários se fossem consideradas seguras. Como Kaveh sempre assinava com a sigla do seu nome, em momento algum os matras desconfiavam que era um homem enviando aquelas missivas apaixonadas para Al-Haitham — já que casais homoafetivos não eram tão bem vistos naquela época. Os dois namorados por correspondência não se importavam, conquanto conseguissem se comunicar, já que começavam sentindo demasiada saudade um do outro.

Letters to a Stranger (HaiKaveh)Where stories live. Discover now