Sul da Alemanha, setembro de 1940
Uma semana antes da estreia de Jud SüßEu levava uma vida quase normal quando Heinz não estava na mansão. A maior parte do tempo ele passava em Paris ou na Polônia, matando cada vez mais judeus enquanto mantinha uma embaixo de seu teto.
O dia da grande estreia do filme chegava e as notícias na televisão mostravam o Joseph Goebbels, ministro da propaganda, discursando energeticamente sobre o novo filme idealizado por si próprio. Falava com paixão sobre uma Alemanha mais limpa, varrida dos parasitas sujos e inúteis que estavam nela.
"O extermínio é necessário".
Levantei-me e afastei qualquer preocupação referente aos eventos futuros. O medo constante do que poderia acontecer comigo me fazia sentir estar sempre uma corda bamba.
O caminho até a biblioteca particular de Heinz era amplo e o corredor era repleto de quadros e representações de arte. O cheiro de madeira misturado ao de livros armazenados encheu o ar ao abrir a grande biblioteca. Livros em diversos idiomas recheavam as estantes e prateleiras que permaneciam perfeitamente organizadas.
Sentei-me frente à janela junto a um livro que parecia não pregar qualquer ideal que me atingisse para aproveitar a luz da manhã. Observando as árvores me lembrei dos dias que saíamos fazer piqueniques sem que fossemos parados e revistados.
Judith contava sobre o desempenho nas aulas de música enquanto meus pais observavam-na orgulhosos. O cheiro do verde misturado com o aroma da geleia e do chocolate quente eram tão distantes para mim quanto o passado de que me lembrava.
Acordei com o ronco dos carros e os feixes de faróis na janela. Estava escuro e eu cambaleei pela sala até encontrar finalmente a porta e me jogar pra fora ali. Heinz tinha voltado.
O ronco dos motores parou e não voltou. Lutei contra o impulso de correr até o meu quarto para que não precisasse ver seu uniforme completo mais uma vez. Ao entrar no quarto o som da banheira me chamou atenção.
- Hannah, o Coronel Forchhammer quer sua presença no jantar de hoje. – a empregada sinalizou para o vestido de mangas curtas pendurado no cabide. Meu corpo gelou e o estômago revirou.
- Ele disse o motivo? – perguntei enquanto entrava na banheira.
- Não, mas... – ela esfregava minhas costas delicadamente. – Ele tem companhia essa noite.
Cada parte do meu corpo estava tensa quando a empregada me guiou até a sala de visitas. O vestido era apertado na minha cintura e era ainda mais difícil respirar. O som da porta se abrindo fez com que eu prendesse minha respiração e fechasse meus olhos.
Três homens estavam à minha espera.
Heinz estava de costas para a porta e ao se virar em minha direção, abriu um sorriso. Um sorriso que eu nunca tinha visto antes.
- Finalmente! – ele posicionou o copo sobre a mesinha e levantou, vindo em minha direção. Meu estômago gelou quando ele tocou minha mão gentilmente e me guiou até os dois homens, sorrindo. – Essa é a garota de quem eu estava falando. Por favor querida, apresente-se.
- Hannah. – Estendi minha mão trêmula para os homens ali. Meu estômago revirava e eu tive medo de vomitar. As braçadeiras todas posicionadas na cadeira, junto aos casacos cheios de insígnias.
- Está nervosa! – um deles riu quando pegou em minha mão. – Não se preocupe, não somos tão importantes quanto dizem.
Heinz deu uma risada rouca enquanto sinalizava que eu me sentasse ao seu lado. Ele virou em minha direção e tirou uma mecha de cabelo do meu ombro, como sempre fazia, deixando meu pescoço a mostra.
- Esses são Major Brachmann e Capitão Rosenstock. – o homem maior, com um bigode branco e quase sem cabelos sorriu, seguido do outro, magro e de aparência fechada e ríspida.
Logo a ação dos soldados nos campos de concentração tornou-se o assunto principal da conversa. Aparentemente era perda de tempo gastar balas com aqueles homens e mulheres que se multiplicavam como ratos em uma colônia.
O homem maior mantinha seus olhos fixos em mim, fazendo com que eu me sentisse cada vez mais desconfortável. Seus olhos me sufocavam e a sensação de ser um cordeiro prestes a ser jogado no meio dos lobos tomou meu peito.
- Sei que isso não é assunto para se discutir na frente de uma dama mas você não concorda conosco, senhorita? – capitão Rosenstock perguntou, rindo e tomando um gole de seu uísque.
Minha boca ficou seca antes que eu pudesse concordar. – Claro, - eu forcei um sorriso, apertando minhas mãos sobre o colo.
Heinz ofereceu-me o braço para que pudesse segui-los até a sala de jantar, onde sentei-me a ponta da mesa, de frente ao Major que continuava me encarando insistentemente.
Engolia a comida sem sentir seu sabor e tentava ao máximo me excluir da conversa. Eu podia ver o brilho nos olhos de Heinz cada vez que era obrigada a concordar com cada discurso antissemita que era cuspido por aqueles vermes nazistas.
- Hannah, gostaria que você me mostrasse as dependências da casa. – O major se dirigiu diretamente a mim. – Seria ótimo me deleitar da companhia de uma moça tão encantadora, caso o Coronel não se importe.
Meu coração parou e eu desviei o olhar para Heinz, que de repente enrijeceu e no mesmo instante abriu um sorriso forçado, dizendo que seria uma ótima ideia e incomodo algum.
Cada garfada me aproximava de ficar sozinha com aquele homem e cada vez mais o medo crescia dentro de mim. Quando ele se levantou para que eu o acompanhasse minhas pernas estavam bambas e eu só conseguia pensar no que fazer caso ele me ameaçasse de alguma forma.
- Aqui é a sala de estar. – eu sussurrei, abrindo a porta mais clara e revelando um espaço enorme decorado com sofás, poltronas, livros e um piano. – Nunca ficamos aqui.
Enquanto ele caminhava passando a mão inchadas por cada móvel eu esperava junto a porta aberta. Qualquer passo em direção ao interior daquela sala significava permitir que aquela tortura durasse mais.
- Por que nós não sentamos um pouco? – Ele sugeriu, sentando-se no sofá de tecido vinho que afundou com seu peso. - Não fique aí parada, eu não mordo.
Todos os meus músculos imploravam que eu permanecesse parada junto a porta enquanto eu forçava minhas pernas a darem pequenos passos em direção aquele homem. Sente-me na outra ponta do sofá evitando olha-lo enquanto sentia seus olhos pousados sobre mim, avaliando-me de cima a baixo.
- Sabe, - ele se aproximou e eu ajeitei-me desconfortavelmente, meu coração batia desesperado em minha garganta. – eu sei o que você é. Sei de onde você veio. – senti suas mãos inchadas e suadas pousarem sobre minha perna. – Você deve ser muito boa pra que ele mantenha você embaixo desse teto, não é?
- Por favor, não. – eu tentei empurrar sua mão mas ele apertou-me.
- Vamos, não seja tímida. – ele jogou-se sobre mim, forçando minhas pernas. Eu me debatia. – Eu sei que vocês fazem qualquer coisa.
Eu não conseguia respirar enquanto me debatia embaixo daquele homem. Suas mãos forçando minhas pernas enquanto passeavam pelo meu corpo me davam náuseas e eu lutava contra tudo isso para gritar.
- ME SOLTE! – eu gritei enquanto empurrava-o para trás, sentindo sua respiração quente em meu pescoço. – ME SOLTE, POR FAVOR!
- Cale a boca, sua imunda. – senti sua boca tocar meu pescoço quando finalmente suas mãos conseguiram forçar minhas pernas. Sentia seus dedos passarem pela minha coxa e prendi minha respiração. Nojo. – Você gosta disso, não gosta? Vadia.
Eu chorava baixinho e rezava para que aquilo acabasse. Eu ainda o empurrava e lutava contra a força que ele exercia sobre meu corpo mas estava ficando cansada e meus esforços eram inúteis.
Eu não quero desistir.
Não quero.
Por favor..
ESTÁ A LER
As Flores Cinzas do Terceiro Reich
Historical FictionAlemanha Nazista, 1940. Desde que "judeu" virou sinônimo de "errado", não houve mais risadas. O som da porta do carro batendo foi o único som além do da chuva fria que machucava minha pele. Um homem baixo e sem uniforme lutava para acompanhar os pas...