7. Judia

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Sul da Alemanha, setembro de 1940

Eu saia da mansão pela primeira vez e não sabia se estava preparada para encarar o mundo que tinha sido construído lá fora. Mesmo com roupas lindas e o cabelo perfeitamente penteado, algo em mim denunciava o medo e a apreensão de estar caminhando pelas ruas de uma Alemanha que julgava-me inferior e inútil.

Cada carro que passava, cada nazista que bradava "Hail Hitler" era uma pontada em minha alma. Eu morria um pouco cada vez que levantava meu braço e saudava aquele que matava e torturava meu povo cada vez mais todos os dias.

Eva, a empregada de confiança que Heinrich tinha encarregado de me escoltar pela cidade, comentava animada sobre como eu ficaria linda e elegante nas roupas de alta costura. Enquanto ela contava alegremente o quanto ela adorava o ar da cidade essa época do ano eu me perdia em meus pensamentos.

As pessoas passeavam calmamente pelas ruas, as propagandas do partido estavam em todas as esquinas e pareciam divertir quem por ali passavam. Um grupo de meninas ria baixinho depois de passar por um grupo de soldados, mulheres usando trajes formais e elegantes sorriam discretamente e paqueravam outro grupo de soldados com suas braçadeiras vermelhas que eram usadas com orgulho.

Eu quase me esquecia do que estava realmente acontecendo ali.

O tilintar do sininho ao abrir a porta da loja despertou a atenção da moça loura que estava no balcão. Ela abriu um sorriso de orelha a orelha ao me ver entrar e segurou minhas mãos com carinho e delicadeza.

- Querida! Então é de você que o Coronel Forchhammer estava falando! – ela parecia animada demais – Ele disse mesmo que você era linda. Vamos, venha comigo!

E conforme ela me empurrava roupas que eu não queria vestir e conversava com a empregada que tinha humor e animo por nós duas eu percebi que ela não sabia de onde eu vim. Ela não sabia que eu era uma judia, não sabia que tinha vindo do Varsóvia e não passava de um bibelô na coleção do Coronel. Para ela eu era a futura Sra. Forchhammer, mãe de filhos homens fortes e arianos, prontos para defender a pátria alemã e passar o Nazismo a diante.

Ela não sabia absolutamente nada sobre mim e ainda assim me tratava como uma alemã normal.

O que me diferenciava dela? O que fazia de mim inferior a essa mulher loura e impecavelmente arrumada que conversava tão animadamente sobre a última moda da Alemanha e o quanto tinha sido bom para nós o investimento que o Fuhrer estava fazendo na indústria têxtil.

- Quem precisa de vestidos franceses se nós já temos os melhores vestidos alemãs? – ela dizia enquanto embrulhava o último dos vestidos escolhidos pela minha acompanhante.

***

Bati levemente a porta de madeira, esperando sinal para que pudesse entrar no escritório de Heinrich.

- Achei que seria de bom tom lhe informar pessoalmente dos eventos que você me acompanhará antes que eu saísse para ir a França novamente. – ele me estendeu um copo com água e eu tive medo de recusar. – dia 25 terá a estreia de um filme que será mais uma obra prima do cinema, Jud Süß. E como você é uma analfabeta cultural eu decidi que seria ótimo leva-la comigo.

Eu não reclamei, apenas assenti.

- Não se preocupe com a vestimenta pois cuidarei disso pessoalmente. – ele caminhou em minha direção e mexeu em meus cabelos delicadamente.

Eu nunca conversei adequadamente com ele. Toda vez que sua voz ressoava ao meu redor eu tinha medo do que poderia vir a seguir. Seus toques eram delicados e a sensação de seus dedos gélidos em minha pele faziam com que eu me arrepiasse.

- Você sabe dançar, eu espero. – ele se afastou, deslizando os dedos sobre a vitrola e deixando com que a melodia delicada e calma se espalhasse pelo ambiente.

Suas mãos envolveram firmemente minha cintura e me puxaram em direção ao seu corpo. O cheiro da colônia encheu minha respiração e meu coração disparou. Enquanto eu tentava administrar minha respiração ele me guiava pelo espaço vazio com segurança.

Meus pés tropeçavam em meio a suas passadas graciosas e depois da segunda vez que pisei em seu pé ele me soltou imediatamente. Passou a mão pelos cabelos acinzentados e riu consigo mesmo.

- Que incompetência. – desligou a vitrola e começou a mexer em alguns papéis. – Saber dançar é um pré-requisito pra qualquer mulher que pretende entrar na sociedade.

- Deveria ter pensado nisso antes de buscar uma mulher no Gueto de Varsóvia. – quando eu percebi o que tinha feito já era tarde demais.

Com a mesma mão que antes me guiava pela sala agora segurava meu pescoço. Aos poucos o ar que eu tentava puxar não era suficiente para os meus pulmões: comecei a sufocar.

- Você deveria ter mais respeito. – eu fazia força para tirar suas mãos do meu pescoço mas era inútil. – Só porque você não é uma cadela de raça não significa que não vai ser adestrada.

Eu estava quase desmaiando quando o ar invadiu os meus pulmões. Fiquei ofegante e caí de joelhos no lugar em que estava parada.

- Saia daqui, vá fazer esse drama todo em outro lugar.

Eu me forcei a levantar e sair daquele escritório. Sentia as lágrimas quentes rolando pelo meu rosto e eu imaginei que seria melhor se ele tivesse me matado.

As empregadas me ampararam e guiaram-me até o banheiro, onde um banho quente me esperava. Sentei-me na banheira e deixei que a água tentasse acalmar meus pensamentos enevoados.

As Flores Cinzas do Terceiro ReichOnde as histórias ganham vida. Descobre agora