𝟎𝟎𝟑.

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A comida de mamãe costumava ser gostosa, mas quando eu não estava nem um pouco afim de jantar, a comida automaticamente adquiria um gosto infernal de palha.

— Então, Hill, me conte — Heather deu mais uma garfada no frango — Como foi sua experiência na Inglaterra?

A olhei com seriedade. O que ela estava esperando que eu falasse? Ah, tia Heather, eu passeei pelos corredores do hospital, comi comida que tinha gosto de terra molhada e fiz um bilhão de exames. Ah! E tem mais uma coisa. Não me socializei com ninguém porque tive aulas particulares com uma professora com o quádruplo do meu nível de QI que praticamente me chamava de burra indiretamente o tempo inteiro e só virei amiga de uma enfermeira do hospital.

Mas logicamente não foi isso o que eu falei.

— Nada demais — Mexi em meu prato com o garfo — É, não consigo pensar em alguma coisa válida agora a não ser os muffins de chocolate do hospital.

Acho que causei um clima tenso na mesa por conta da cara de todo mundo. Sem querer zombar nem nada, mas vocês precisavam ver a cara da tia Heather.

— Eu soube que você ficou em coma — Pete falou, como se aquilo fosse a coisa mais normal e comum do mundo — É sério isso? Por quanto tempo?

Todos na mesa olharam para Pete. Engoli a comida rápido demais e tive que beber um copo de água para não engasgar.

— Pete, olha o que você está falando. — Heather sussurrou para ele — Esse assunto é delicado para ela.

— Foi por pouco tempo, Pete — Minha mãe respondeu — Foram cinco meses, e sim, foi verdade o que aconteceu com ela...

— Por que mentiríamos sobre isso? — Perguntei, interrompendo a fala de minha mãe.

— Foi só uma pergunta retórica, Hill. Não foi nada demais. Mas me conta, como foi essa experiência?

Por acaso aquele cara tinha alguma noção?

Eu não sei, Pete — Falei, rígida — Eu estava em coma.

A mesa voltou a ficar silenciosa. Eu odiava aquele clima mais do que tudo na minha vida. Talvez não mais do que tudo, mas enfim. As pessoas voltaram a conversar quando Heather perguntou sobre Tom e meus pais, com orgulho, passaram o jantar inteiro falando sobre ele.

Quando todos terminaram de comer e só rolava alguns papos aleatórios na mesa, levantei da cadeira, adquirindo olhares em cima de mim.

— Eu... Só vou tomar um ar. — Apontei para a porta com o polegar — Eu já volto, é coisa rápida.

Heather e mamãe trocaram um olhar, e eu pude escuta-las dizer:

— Será que foi alguma coisa que a gente falou? — Heather perguntou, apreensiva.

— Não foi nada demais. Ela ainda fica meio sensível quando tocamos naquele assunto.

Sentei na pequena escadaria em frente a minha casa e respirei o ar puro. Eu poderia ter ficado um pouco séria e fria demais, mas eu tinha meus motivos, e sabia que tinha. Não compreender a minha situação já era um tipo de descaso, como todos os adultos sempre faziam.

Uma garota que recebeu uma notícia de última hora que estava com um problema neurológico, que teve que se despedir de seus únicos amigos na face da terra, terminar um namoro de última hora porque depois de duas semanas iria ter que embarcar para um novo país, chegar no novo país e realizar o tratamento mas em um determinado momento, o tratamento não fazer efeito e ela ter que ir parar em coma por cinco meses e quando acordou, não se lembrava de praticamente nada. Por acaso os adultos tinham algum senso? (Ou pelo menos o Pete) porque ele deveria pelo menos pensar nos meus sentimentos antes de fazer aquele tipo de pergunta.

Foi aí que escutei a porta atrás de mim se abrindo. Olhei para trás e lá estava ele. Ele, Walker, não Pete. Às vezes eu chegava a pensar que minha vida realmente era uma novela mexicana porque aquelas cenas me faziam ter belos déjà-vus. Walker se sentou ao meu lado e olhou para mim.

— Eu sinto muito por aquela situação no jantar — Falou — Meu pai não quis... Falar aquilo em um sentido ruim.

— Ele deveria saber, pelo menos imaginar que ainda é difícil para mim falar sobre aquilo. — Retruquei, ainda olhando para frente.

Meu vizinho de frente, que era um velhinho de cabelos quase totalmente brancos, saiu de sua casa com uma pá de flores na mão. Assisti ele caminhar até seu canteiro e começar a cavar a terra e colocar algumas sementes ali.

— Eu sei o quanto é e foi difícil pra você, Hill — Direcionou sua cabeça para frente também — Mas você precisa acreditar que meu pai não fez isso para te ofender. Eu sei quem meu pai é e o caráter dele. Eu conheço o meu pai.

Por algum motivo (não muito explicável), ouvir o meu apelido, Hill, sair da boca de Walker ainda me causava alguns arrepios. Ah, esquece isso.

— Eu sei disso — Suspirei — Sei que ele não fez por querer.

— Que bom que você sabe. — Sussurrou.

A brisa que ocupava nosso silêncio ali, continuava confortável. Até que Walker resolveu quebrar aquele silêncio, falando:

— Eu achei que nunca mais poderia te ver.

Engoli em seco.

— Mas eu estou aqui — Olhei para ele — Agora.

Depois que nossos olhos se encontraram, pude perceber com mais clareza a diferença na aparência de Walker. Eu já havia percebido que ele estava diferente, mas como não perceber? Todos nós estávamos. Mas Walker... Era alguma espécie de "diferença incomum".

— Você e a Heather estão namorando? — A pergunta saiu de imediato de minha boca.

Que linguinha você, hein. Me arrependi no mesmo momento que perguntei aquilo. Que estupidez.

— O que? — Riu — Namorando? Da onde você tirou isso, Hillary?

— Ah, eu... — Limpei minha garganta — Eu sei lá, é que... Eu vi vocês dois se abraçando hoje e...

— A gente não namora — Continuou com aquele típico sorrisinho no rosto — Eu nunca voltaria a namorar com ela.

— Então... Por que vocês se abraçaram daquele jeito?

Eu me sentia uma tola fazendo essas perguntas.

— Que jeito, Hillary? Nós dois somos só amigos. — Deu uma pausa — Por acaso você está...

— Nem termina essa frase — Apontei o indicador para ele, já sabendo o que ele iria falar — Não tem motivos para eu estar. Eu só queria saber mesmo.

— Hum, entendi. — Virou sua cabeça para frente de novo — Eu nunca voltaria a namorar com ela. Depois daquela vez? Sem chances.

— Então por que vocês continuam amigos? Você sabe muito bem tudo o que ela fez.

— Ela mudou, Hillary — Olhou nos meus olhos — Assim como você, assim como eu, ela também mudou.

— Você tem certeza disso?

— Hillary. Quem passou dois anos seguidos observando as mudanças dela, fui eu.

Fiz uma careta.

— Isso é porque você não esteve com ninguém durante esses dois anos. Vai arranjar alguém pra ver como a Heather vai ficar.

Ele fez uma cara irônica.

— Quem disse que eu não estive com ninguém?

Senti meus nervos apitarem sem parar.

— Esteve? — Perguntei.

— Não — Ele riu — É brincadeira. Eu realmente não estive com ninguém.


Galera, eu vim aqui pedir para vocês olharem o mural do meu perfil, porque vou estar contando uma novidade para vocês! Conto com vocês lá, meus amores! 💗

𝐌𝐄𝐌𝐎𝐑𝐈𝐄𝐒, walker scobell.Where stories live. Discover now