Capítulo VII || Unfaithful

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Os dias na casa de madame Odette são tranquilos e agradáveis, na medida do possível, apesar da dor. Sua propriedade, cercada de jardins bem cuidados, oferece um panorama idílico e inspirador todas as manhãs e tardes. Só agora percebi a falta que senti desse lugar. Essa casa foi cenário de alguns dos momentos mais felizes da minha vida.

Aqui, posso até fingir que ainda sou uma garota sonhadora de dezenove anos, planejando um futuro brilhante que irá se descortinar a qualquer momento. Às vezes até imagino que mamãe está em casa com Dobby, me esperando para visitá-los aos fins de semana. É claro que toda essa ilusão dura segundos, mas são segundos de paz.

Os melhores momentos do dia são quando nos sentamos na varanda acompanhadas de alguma bebida quente — chá, capuccino ou chocolate e a escuto contar as histórias de sua época áurea, quando reinava absoluta nos palcos mais requintados. De vez em quando ela pega um álbum grande com fotos e recortes de jornal desse período e viajo, idealizando estar em seu lugar. Essa é uma fantasia arriscada, mas me conforta e me dá uma tênue esperança que não consigo dispensar. Eu sei que a garota das fotos nunca poderia ser eu, mas sonhar é tão bom... Principalmente porque me entorpece da dor e da saudade da minha mãe.

— Você pode tentar, mas nunca vai conseguir esconder de mim, Cecilia. — Ela me diz, num desses momentos.

— O quê? — Pergunto levantando os olhos do álbum que contemplo pela décima vez, tão maravilhada quanto da primeira.

— Que ainda sonha com os palcos.

— Acho que está tudo bem sonhar de vez em quando com coisas impossíveis. — Admito.

— Claro, minha querida, quando elas são realmente impossíveis. Agora sonhar desse jeito com coisas possíveis se torna perigoso. Os sonhos impossíveis não causam dor. Os possíveis e não realizados, sim.

— E a senhora acha mesmo que eu estar num teatro ainda é um sonho possível para mim?

— Não só possível, como perfeitamente realizável. Além do mais, o que você tem a perder se tentar e não der certo?

Olho para ela pensativa.

— Mas está claro como a luz do dia que dará certo. Estamos falando de Cecilia Harper, que nasceu para ser uma diva.

— Você fala como a mamãe. — Comento, saudosa.

— É porque tanto eu quanto ela, esteja onde estiver, queremos o melhor para você.

— Ouça. — Ela continua — Posso ajudá-la. Você deve estar enferrujada sem praticar por todo esse tempo. Podemos voltar com as lições, vai te auxiliar a se distrair e me ocupar durante esse período. Você sabe que tentei aceitar alguns alunos certa vez, mas eles eram tão irritantes e não possuíam dez por cento de seu talento, de modo que eu teria que extrair leite de pedra ali. Estou velha para trabalhos braçais. Me satisfaz muito mais conduzir o dom, como uma fada madrinha com sua vara de condão.

A imagem retratada em minha mente me faz sorrir. Me lembro da minha infância e do meu interesse pelo mundo da mágica e dos bruxos, encabeçado pelo meu amor pelos livros de Harry Potter. Isso me deixa num estado de espírito favorável e acabo aceitando voltar às aulas. Mesmo que não sirva de nada, será um jeito maravilhoso de passar meu tempo ali.

★★★

Seis semanas depois, estudando religiosamente todos os dias, me sinto outra pessoa, mais calma, segura e centrada em relação ao meu futuro. O inesperado aconteceu e voltei a ter esperanças de realizar meu desejo de menina. Eu realmente não tenho mais nada a perder. Devo tudo isso a madame Odette, que com seu amor, acompanhamento e insistência, venceu a barreira que eu havia colocado em meu coração.

O MESTRE de marionetes Where stories live. Discover now