angel of small death VI

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O acústico perfeito da sala de música faz o som dos instrumentos encantar aqueles que se deram ao trabalho de parar e ouvir. É apenas um ensaio, mas a perfeição e esforço de todos ali é evidente. Jeongguk é apenas mais um em meio aos outros, mas ele já tem seu futuro garantido e já tem uma vaga na Universidade de Seul. Mas são tempos difíceis. Abril de 1980, o país passa por uma forte onda de protestos contra o governo repressor. Houve um assassinato no ano anterior, dando um fim ao regime militar, mas as coisas ainda estavam em um burburinho.

Jeongguk vivia em uma cidade pacífica, muito pequena e rural para ser afetada diretamente pelas ondas de conflitos políticos. Porém, agora ele sentia em seus ossos, profundamente dentro de si, uma forte preocupação com Taehyung, sozinho e longe de casa.

Há dois meses, ele havia cometido o maior pecado de sua vida e implorou no mesmo fôlego que Taehyung não fosse embora.

Ele havia partido mesmo assim, é claro, deixando seus pais arrasados e Jeongguk com um buraco em seu coração.

“Você foi magnífico, meu querido,” diz a mãe de Taehyung quando ele finalmente guarda seu violino e vai até ela. “Tenho certeza que a apresentação será divina.”

“Obrigado,” Jeongguk sorri.

“Vamos para casa, deve estar faminto!”

“Claro.”

Eles estão caminhando em direção a casa quando uma mulher os para. Ela tem os cabelos assanhados como um ninho de pássaros, o rosto arranhado e usa roupas esfarrapadas. Seus olhos escuros e opacos se prendem em Jeongguk e ela lhe oferece um sorriso de dentes podres, imediatamente o agarrando pelos ombros.

A mãe de Taehyung parece horrorizada.

“Meu filho,” grunhe a mulher estranha. Lágrimas escorrem pelo seu rosto encardido. Jeongguk nunca sentiu tanto medo em sua vida. Ela parece louca e desequilibrada, mas aqueles olhos e palavras parecem muito sinceros.



A verdade lhe é contada no mesmo dia, após a mulher ser arrastada pela polícia. O nome dela é Jeon Saebyuk, ela fugiu três meses antes do abrigo para mulheres mentalmente incapacitadas na cidade ao lado. E ela é sua mãe biológica, descobre Jeongguk.

“Trabalhávamos para o seu pai,” explica o pai de Taehyung. “No ano que você nasceu, ele foi morto durante uma rebelião na capital. Ele era um militar.”

A casa está sombria, sem vida. O casal parece desolado em ter que lhe falar a verdade nessas circunstâncias.

“Sua mãe sempre foi uma mulher complicada, meu querido.” Completa a esposa, com lágrimas nos olhos. “Ela tinha amigas íntimas com quem dividia a cama, vivia dizendo que o pai a casou à força, bebia muito, fugia de casa durante a noite. Não era uma vida pacífica a que aqueles dois levava. Antes de ir para Seul, seu pai nos implorou para cuidar de você como se fosse nosso filho, e nós o criamos como se fosse, por Deus, espero que possa nos perdoar por não ter contado antes. Meses depois de seu pai morrer, sua mãe caiu em um desespero profundo. A família dela queria fazer uma lobotomia, mas… os médicos disseram que ela poderia se recuperar sozinha. Nós nos mudamos para cá para que você pudesse crescer longe do estigma de tudo isso… oh, eu sinto muito, querido.”

Jeongguk não responde nada.

“Por que não me disseram que ela estava viva?”

“Não queríamos sobrecarregá-lo com isto.”

O jovem não diz nada, ele apenas tenta engolir tudo que descobriu em silêncio.

[...]

 


É tarde, mas Jeongguk nunca teve medo do escuro. Ele arruma sua mochila com cuidado, colocando meramente tudo que pode ser essencial, o sentimento de dívida com os pais de Taehyung não existe mais. Nenhuma gota dele resta.

Ele agarra o dinheiro escondido embaixo de um dos armários, todas as economias da família, mas eles vão ficar bem. Eles trabalham e têm um ao outro, e eles têm o carro. Podem vendê-lo se as coisas ficarem difíceis.

Jeongguk caminha pela noite com um choro entalado na garganta, ele não sabe o porquê está assim, não sabe porque a verdade o machucou tanto.

Dorme no chão do terminal até a banca de vender passagens abrir bem cedo pela manhã. Quando já está dentro do ônibus, tenta não pensar em como não faz a menor ideia de como achar Taehyung em Gwangju, mas tudo que ele quer é encontrá-lo.

angel of small death • TAEKOOKWhere stories live. Discover now