Achei que era normal...

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23 de outubro de 2020
Kingston - Canadá
17:48 PM


Quando somos crianças, a nossa visão de mundo é moldada pelas pessoas e situações que nos cercam. Se não temos contato com outras famílias, outras crianças, outras formas de viver, podemos achar que o que vemos é normal.

Algumas crianças crescem achando que a violência doméstica é uma demonstração de amor, outras que matar é um hobby divertido, outras que o ódio é o único sentimento possível. Quando somos expostos a essas coisas desde cedo, acabamos nos tornando parecidos com elas, mesmo que inconscientemente.

Para Celeste, a sua vida era normal. Era normal os seus irmãos mais velhos, voltarem para casa no meio da noite com as roupas manchadas de sangue alheio, ou ver a cabeça decepada de um homem sobre a mesa do escritório da sua mãe, que horas antes estava rindo e bebendo com eles, ou ouvir os gritos de agonia e terror vindos do quarto proibido, de onde o seu pai saía com um sorriso sádico nos lábios. Aquilo era normal. Pelo menos para Celeste, aquilo era o normal.

Mas o que era normal, afinal? Era normal matar? A vida humana tinha algum valor? Como seria ter uma vida diferente?

A mente dela estava confusa, questionando tudo o que sabia. Ela era normal? Às vezes, ela temia se tornar como os seus irmãos, que viviam sorrindo, mas nunca pareciam felizes. Os seus olhos eram escuros e vazios, como se não houvesse nada dentro deles. A sua vida precisava de cor, uma cor que não fosse o vermelho sangue que tingia as suas roupas.

— Será que eu deveria usar preto ou vermelho... Verde faz o sangue se destacar. — Celeste murmurou enquanto tentava limpar o sangue fresco que respingara no seu vestido com um pano úmido. Ela se olhou no espelho redondo sobre a pia do banheiro. — Mas eu fico tão bonita de verde. — Ela reclamou. — A culpa é toda daquele idiota traidor que quis me passar a perna... Ele continua me incomodando mesmo depois de morto.

A ruiva olhou para o chão do quarto, fora do banheiro, e viu com repulsa o corpo sem vida do seu ex-informante.

Então, ela ouviu a porta do quarto de hotel se abrir lentamente. Uma figura familiar apareceu.

— Kat! Olha só o que aquele imbecil fez. — Ela apontou para o seu vestido, que estava salpicado de sangue. — O meu vestido novo que a Morgan me deu de aniversário.

— Por que você veio com um vestido para um assassinato? E, em primeiro lugar, quem é Morgan? — A mulher entrou no quarto, examinando o cadáver no chão. — E a culpa foi sua, você deveria ter atirado na cabeça dele logo de cara. Ele claramente não morreu de primeira!

A morena olhou para a amiga, que apenas desviou o olhar e começou a assobiar, fingindo que não era com ela que aquele olhar de censura estava sendo dirigido.

— Greebrieen's e as suas formas estranhas de se divertir... Vamos logo, Cardan chega hoje de São Francisco. — Katherine se virou para sair do quarto.

Celeste a seguiu, pulando por cima da poça de sangue no carpete, que se formara em volta do corpo do homem, e saiu pela porta.

— Quem é Morgan? — Perguntou a mais velha, curiosa. Celeste não costumava ter amigos.

— Não conta pro pai, mas lembra daquela vez que eu te pedi pra você dizer pros meus pais que eu ia dormir na sua casa? — A ruiva juntou as mãos atrás das costas, enquanto caminhava ao lado de Katherine.

— Aquela noite que você chegou com uns ferimentos de flecha?

— Sim, naquela noite eu conheci um anjo. Foi tão romântico... Me apaixonei na hora. — Celeste tinha uma expressão sonhadora no rosto, enquanto Katherine a olhava incrédula.

um casal de delinquentes (Hiatus)Onde histórias criam vida. Descubra agora