Capítulo Quatro: O Bezerro Indo Para O Abate

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Eu sou o bezerro... Aquele bezerro indefeso, inofensivo, que espera seu carrasco acabar com o seu sopro de vida, que espera sua morte inevitável sem saber quem tirará sua vida e quando esse ato será feito. Sou aquele animal inofensivo, que espera na palha e na madeira velha o seu destino.

O terror que cada animal, cada besta que já cortei a garganta para o abate afim de satisfazer a Capital, eu o sinto, no fundo do meu coração e em todo o meu ser, pois daqui alguns dias, serei eu que serei assassinada para agradar o desejo sedento e doentio sanguinário da Capital.

Em essa tarde de Domingo, sentada encima de palha que os pacificadores em que os pacificadores me jogaram depois da Colheita, eu espero.
Eu poderia esperar que o mundo fosse mais clemente comigo, que a injustiça que move meus sentidos nesse momento estaria comovendo no mínimo algumas pessoas, mas seria esperar demais, seria ter uma esperança absurda no ser humano.

O local aonde irei me reunir com minha família pela a última vez é um antigo estábulo que pertence à fazenda abandonada da prefeitura.
Era uma fazenda que os empregados da prefeitura cuidavam, faziam experimentos para saber qual é a forma de melhorar a produção e a qualidade dos gados, mas esse projeto foi descartado há mais de vinte anos por falta de financiamento, afinal estamos em um dos distritos mais pobres de Panem.

Estou sentada, ansiosa, em um fardo de palha seca, envelhecido e ressecado pelo o tempo.
Apoiando meus cotovelos acima de meus joelhos, conto os segundos, os minutos que estou aqui.
Quanto tempo vou ficar sozinha aqui, apenas rodeada de palha e de madeira seca ?
O calor nesse local está subindo, insuportável, mas o véu dessa temperatura na minha pele é minha única compania por enquanto.

Ao longe, escuto a melodia do hino de Panem tocando. Velviet deve estar encerrando a cerimónia da Colheita.

Depois de algum tempo, ouço a madeira do chão ranger, alguém está perto de mim, chegando até aqui.
Levanto a cabeça, procurando quem vai aparecer a qualquer momento.

Mamãe é a primeira pessoa que vejo desde que meu nome foi pronunciado.
Vestida de um lindo vestido de cores diferentes florido, o único vestido que ela tem, o seu rosto expressa puro desespero. Eu nunca vi um olhar tão fundo e tão vazio quanto a minha mãe naquele momento. A expressão dela seria a mesma que se eu fosse uma criminosa condenada a morte.
Ela está em silêncio. Suas lágrimas caem nas suas bochechas.
Ela estende seus braços para mim, como uma alma penada que procura um abraço.
Esse pedido é logo atendido por meu corpo. Eu a abraço o mais forte possível, um abraço daqueles que é difícil sair para as pessoas envolvidas.

- Mamãe...-Corto o silêncio, mais corajosa que ela-. Está tudo bem...

Meu coração aperta, grita por injustiça de ver minha mãe nesses desespero.

-Minha filha... Eu sei que está tudo bem... Você é inteligente, sempre arranja um jeito de estar tudo bem...

Meus olhos se encerram, mas não consigo me controlar e acabo por desabar em choro em seu ombro

-Vai ficar melhor ainda, mãe... Eu vou me sair dessa...

Minha voz sai estrangulada. Ela me balança calmamente durante o abraço, pondo a mão em meu cabelo. Calmamente, sinto uma outra pessoa me abraçar por trás e pousar sua cabeça em minhas costas. Reconheço a barriga da gravidez avançada de Kamyra. Por uma vez, ela não diz nada, mas sei que ela também tem os olhos fechados.
Sinto também uma criança me abraçar as pernas. Eles trouxeram Eyal. Eu vou poder falar me despedir do meu irmão caçula. Esse pensamento aquece meu coração.

-Oi, Eyal...
Digo baixinho.

Ninguém me responde, mas duas pessoas se juntam ao mesmo tempo. O corpo de adolescente de Thanatus encontra-se nesse abraço e os cachos de Mena fazem carinhos nos meus braços.
Os sentimentos da família Calavera estão alinhados. A minha dor é a mesma que a deles. Se não for, eles estão sentindo uma dor maior ainda, eu o sei.

Via Crudelis [Português] Where stories live. Discover now