Capítulo 9

501 72 2
                                    

Ter um pai que está o tempo todo fora por causa do trabalho é muito complicado. Como meu pai é piloto de avião, ele passa muito tempo fora de casa. Desde que minha mãe faleceu, ele trabalha muito para dar o conforto que eu e meu irmão temos. Mesmo ele se ausentando um pouco, ele nunca deixou de acompanhar nosso crescimento, sempre estava presente em todas as apresentações e jogos, assistimos filmes juntos duas vezes por mês e acampamos uma vez ao ano. Meu pai sempre fez de tudo para mim e Matt, nos matriculou na melhor escola, compra das melhores marcas e nos leva aos melhores restaurantes. Mas nós não temos tudo isso porque tivemos "sorte", meu pai lutou muito para chegarmos até aqui, ele já abdicou tanta coisa para ver o nosso bem.
O único problema é que as tarefas de casa sobram tudo para mim. Na realidade, deveriam ser divididas entre eu e Matt, mas se eu deixasse ele na cozinha por um minuto, nós perderíamos nossa casa com o incêndio que ele iria fazer. Então nós fizemos um trato, ele me dá trinta dólares e eu faço a parte dele.
Como Matt, Nick e Lucca vivem deitados no sofá da sala comendo tudo que tem no armário igual esfomeados, a comida de casa acaba muito rápido. Quando fui ver, a geladeira estava toda vazia. Como Matt tem entrevista em uma faculdade às três da tarde, resta para mim fazer as compras. Então quando Matt vai para entrevista, peço uma carona dele e digo para me deixar no mercado.
O supermercado estava lotado, havia tanta gente que fiquei quase uma hora na fila do caixa. Assim saio pela porta do supermercado, acabo esbarrando em uma mulher e derrubo as compras no chão.
— Minha nossa, me desculpa! Você está bem? — diz uma voz feminina familiar
Quando me levanto vejo que a mulher que havia esbarrado era nada mais nada menos que Cassie Ferrari, mãe de Lucca.
— Mia? Meu Deus! Quanto tempo! — diz ela toda animada me ajudando a pegar as compras
— Olá senhora Ferrari, tudo bem? — digo
— Ai Mia, quando você vai aprender que você pode me chamar de Cassie! Nem parece que você cresceu lá em casa! Você está sozinha?
— Sim, meu irmão foi numa entrevista na faculdade.
— Nossa que cabeça minha, Lucca tinha me dito que Matt foi ao Instituto Tecnológico, né? Que tal uma carona para casa! — diz ela com uma piscadela — A gente aproveita e coloca o papo em dia, pode ser?
Eu sorrio e concordo com a cabeça.
Cassie foi praticamente uma segunda mãe para mim, depois que minha mãe faleceu, ela me ajudou muito em tudo que eu precisava no mundo feminino. Ela foi comigo comprar o meu primeiro sutiã, me ajudou com a minha primeira menstruação e sempre esteve lá para conversar comigo. Ela sempre dizia que queria uma filha menina para falar dessas coisas, mas acabou gerando apenas dois garotos, Lucca e Kenny.
— E como está a escola nova? — pergunta Cassie
— No começo foi meio complicado, mas agora estou me acostumando.
— As garotas são legais?
— Legais não é exatamente a palavra certa, a maioria parecem que saíram da série Gossip Girl. Mas tem algumas exceções.
— E pelo que conheço o meu filho, ele não está te ajudando com nada né?
— Eh... — digo não querendo concordar mas é impossível dizer que Lucca está me ajudando na minha vida escolar
— Esse garoto não tem jeito mesmo.
O telefone de Cassie toca e ela atende pelo alto-falante do carro.
— Alô? Senhora Ferrari? — diz a voz do telefone
— Oi Suzy, pode falar, estou ouvindo! — diz Cassie
— Então, aconteceu um imprevisto e não vou poder cuidar do Kenny esta noite.
— Ai meu Deus, mas estava tudo marcado, o que aconteceu?
— Minha mãe ficou doente e vou ter que cuidar dela.
— Ah, certo. Tudo bem então. Made melhoras para ela.
— Muito obrigada senhora Jones e desculpe novamente.
— Não tem problema, vou ver se acho outra pessoa. Obrigada por avisar. — diz Cassie desligando o telefone com os comandos do volante — O que eu vou fazer agora? — diz ela consigo mesma — Como eu vou achar uma babá em menos de três horas?
— Babá para o Kenny? — pergunto
— Sim, eu e William temos um jantar da empresa hoje e não posso deixar Kenny sozinho com Lucca!
— Se quiser...eu posso cuidar dele!
— Não acredito! Sério? Ai Mia, você salvou minha pele. Hoje nós temos uma reunião importante com os acionistas da empresa! Thomas ficaria louco se eu dissesse que não iria.
Sr Ferrari é dono de uma grande empresa de hotéis, ele é uma pessoa muito importante aqui em São Paulo, às vezes eu ainda não sei como eles são nossos amigos, talvez seja pelo fato de ele e meu pai serem amigos desde da faculdade. Pensa em uma pessoa poderosa, capaz de fazer o presidente dos EUA vir até São Paulo apenas para tomar um café com ele, então esse é William Ferrari. Do lado do pai de Lucca e Nick, meu pai é apenas um simples piloto, claro que nós temos uma vida muito boa e somos financeiramente privilegiados, mas nada se compara aos dois.
Sr Jones, pai de Nick é dono do melhor Hospital de São Paulo e um dos neurocirurgiões mais renomados do país e a mãe de Nick é uma grande psiquiatra com diversos estudos em seu currículo. Mas sabe o que mais me impressiona? Mesmo eles tendo, tudo que tem, continuam sendo pessoas muito simples e humildes, sempre ajudando em caridades e ações beneficentes. Talvez por esse motivo que meu pai é tão amigo de Sr Jones e Sr Ferrari.
Já Kenny é o irmão mais novo de Lucca. Pensa no Lucca em miniatura, então esse é Kenny Ferrari. Topete moreno, olhos azuis e sempre bem vestido. A diferença é que Kenny tem apenas dez anos. Ele só não é o moleque mais pentelho que eu já conheci, porque eu convivi com Lucca, mas ele também consegue se superar em muitos aspectos. Eu fico com dó de Cassie que viveu na diretoria da escola por que seus filhos vivem se metendo em encrencas. Uma vez Cassie me disse que teve que ir conversar com a diretora porque Kenny havia colocado um sapo vivo dentro da mochila de um de seus colegas de classe. Com certeza a diretora só não o expulsou por ser um Ferrari, caso contrário, Kenny não teria mais escola que o aceitasse.
Assim que cheguei em casa, guardei as compras, tomei um banho, coloquei uma legging, um moletom largo e meu crocs e já fui para casa dos Jones que no caso era do lado da minha casa.
Logo que cheguei na porta da casa eu já conseguia ouvir Kenny reclamando, então toco a campainha.
— Mãe, eu já disse que não preciso mais de babá! — reclama a voz aguda de Kenny do outro lado da porta
— É mesmo? Não é o que seus boletins de ocorrência da escola dizem! — diz Cassie
— Mas mãe! — insiste Kenny
Cassie abre a porta e me recebe com um sorriso no rosto.
— Oi Mia, pode entrar! — diz Cassie
— Mia? Você que vai ser minha babá? — pergunta Kenny
— Pelo visto sim! — digo com um sorriso um pouco forçado
— Agora eu vi vantagem! — diz Kenny com o sorriso igualzinho de Lucca
— Ué? Você não disse que era grande demais para ter babá? — diz Cassie
— Mas como é a Mia eu posso fazer um esforcinho. — diz Kenny
— Você não existe garoto! Agora, se comporte que nós voltamos logo! — diz Cassie apontando com olhar de mãe para Kenny
Ela pega seu casaco em cima da mesa, dá um beijo na testa de Kenny e sai.
— E aí gatinha, por onde nós começamos? — diz Kenny com os braços cruzados e um sorriso sem vergonha no rosto
— Com você fazendo seu dever de casa!
— Ah não! Dever de casa? — reclama Kenny
— Sim, dever de casa! Agora anda, vamos! — digo como se fosse autoritária
Ele pegou sua mochila e nós nos sentamos na escrivaninha de seu quarto. Por mais que ele reclamasse de fazer lição, Kenny conseguia fazer todos os exercícios como uma facilidade admirável. Igualzinho Lucca que nunca presta atenção em nenhuma aula e vai bem em todas elas. De repente ouço barulho da porta da sala batendo e passos vindo até o quarto.
— Ow pirralho! Cadê o bolo que eu tinha guardado na geladeira? — ouço a voz de Lucca vindo do corredor — Se você tiver comido, você vai ver só! — ele entra no quarto todo suado com roupa de academia e uma toalha pendurada em seu pescoço — Mia? — pergunta ao notar minha presença — O que você está fazendo aqui?
— Lucca, você está atrapalhando o nosso encontro! — diz Kenny pegando na minha mão
— Oi? — diz Lucca rindo encostando na parede
— Sim, eu e minha namorada estamos em um encontro.
Kenny tem uma paixão platônica por mim, desde os seus oito anos de idade, ele diz nós dois vamos nos casar e morar na beira da praia. Não o julgo porque quando tinha meus dez anos eu dizia que casaria Shawn Mendes, teríamos uma lua de mel em Tokyo e ele faria uma serenata para mim em um de seus shows. Pois é, ainda não aconteceu, mas quem sabe um dia.
— Sua namorada? — pergunta Lucca ironicamente
— Sim, agora sai que nós estamos ocupados! — diz Kenny empurrando Lucca para fora do quarto e em seguida fechando a porta
Assim que Kenny acabou de fazer suas lições de casa, ele insistiu para que nós jogássemos o seu novo jogo no videogame, então fomos para sala. Enquanto Kenny ligava o console, eu fiquei olhando meu Instagram, todos adolescentes normais postando fotos em baladas e festas enquanto eu estava sendo babá de um menino de dez anos. Mas para mim era mil vezes melhor estar jogando Smash Bros aqui com Kenny, do que estar enchendo a cara de álcool por aí. Kenny se sentou do meu lado e deu um controle para mim. Quando nós selecionamos nossos personagens pro jogo, Lucca entrou na sala bebendo um copo de água.
— O que vocês estão fazendo? — pergunta Lucca
— Não te interessa. — responde Kenny sem tirar seus olhos da televisão
— Smash Bros? — diz Lucca se aproximando — Ok, eu também vou jogar!
— Lucca, você nunca joga comigo, por que resolveu jogar hoje? — insinua Kenny
— Só vai para lá! — diz Lucca empurrando Kenny e se sentando bem no meio de nós dois
— Ei! Deixo eu ficar do lado da Mia! — reclama Kenny
— Olha seleciona a arena! — diz Lucca apontando para televisão distraindo Kenny
— O jogo é de dupla! — digo
— Eu vou com a Mia! — diz os dois simultaneamente
— Saí Lucca, eu disse primeiro! — reclama Kenny
— Eu que disse primeiro!
Os dois pareciam crianças de dez anos discutindo, mas no caso Kenny realmente era um garoto de dez anos, já Lucca tinha dezessete brigando com uma criança.
— Faz assim, eu vou com o Kenny e Lucca, faz dupla com o computador. — digo
Kenny mostra a língua para Lucca que fica com a cara emburrada como uma criança mimada. O jogo começa e Lucca mata Kenny de primeira. Então sobra apenas eu, ele e o jogador computador no jogo. Consigo matar o computador, restando apenas nós dois. Ele usa um ataque especial mas eu desvio dele, então dou golpes nele o que diminui sua barra de vida, deixando-a vermelha. Ele arremessa bolas de fogo em mim e acaba acertando. Doou um ataque especial, matando-o de vez. Kenny vibra e pula de emoção.
— Nós ganhamos! — exclama ele batendo palma
— Eu nem estava jogando de verdade mesmo! — diz Lucca emburrado jogando o controle na mesa
— Admite Lucca, você perdeu! — provoca Kenny
Depois de longas quatorze partidas de Smash Bros, Kenny acabou adormecendo no sofá. Lucca carregou seu irmão até o quarto e o deixou na cama, eu o cobri, apaguei as luzes e nós fomos para cozinha. Eu sentei na banqueta do balcão enquanto Lucca pegava sorvete para nós no freezer.
— Que milagre, você está em casa em pleno sábado. O que foi? Está de castigo? — digo
— Qual foi? Só não tinha nada de interessante para fazer hoje! — diz Lucca me dando uma colher e sentando na banqueta ao meu lado — Mas fala verdade Mia, você não está saindo com o Fernandes, né?
— De novo isso Lucca? E se estiver saindo? Qual é o seu problema com o Pietro, vocês não são amigos?
— Mas ele não é o cara certo para você. Todos os caras do time são completos galinhas.
— Falou o santo, né? Lucca todos sabem que você é o que tem mais fama de pegador.
— É, mas...você não pode ficar com esses caras Mia.
— E por que não?
— Porque não ué!
— Lucca você não pode me dizer com quem eu posso sair ou não! — digo me levantando brava
— Eu já disse Mia, você não vai sair com aqueles caras! — diz Lucca também se levando
Nós ficamos cara a cara um do outro. Os olhos fervendo, saindo faíscas. Até que de repente as luzes da cozinha se apagam. Eu não conseguia mais ver nada além da escuridão. Lucca vai até para tentar acender mas sua tentativa é falha. Nós vamos para fora da casa e vemos que a rua inteira estava sem luz. Deveria ter sido um apagão que aconteceu no bairro. Lucca resolve ir até o porão procurar as lanternas. Depois de vinte minutos, Lucca ainda tinha voltado, então decido descer para ver se havia acontecido algo. Ligo a lanterna do meu celular e vou descendo bem devagar as escadas. No entanto, logo acaba a bateria do meu celular e fica uma escuridão novamente. Assim que chego no porão dou passinhos de formiga para não esbarrar em nada.
— Lucca? Você está aqui? — digo procurando-o — Lucca?
— Boo! — diz ele atrás de mim, me dando um susto
Com o susto acabo esbarrando em uma pilha de caixa e todas quase caem em cima de mim, mas Lucca me puxa evitando o desastre. Eu estava tão próxima a ele que conseguia ouvir os seus batimentos acelerados de seu coração.
— Você está bem? — pergunta Lucca ofegante olhando para mim
— Estou! Obrigada! — digo
Mesmo no escuro, não conseguia parar de olhar para Lucca, um silêncio dominava o local e nós dois estávamos paralisados naquela posição. Conseguia sentir sua respiração. De repente consigo ouvir o barulho da porta se abrindo.
— Crianças? — ouço a voz de Cassie vindo da sala
— Acho que sua mãe chegou! — digo
Então nós subimos.
— Aí estão vocês! — diz Cassie ao nos ver — Lucca? Achei que você ia para uma festa!
— Ah, é, eu ia, mas acabei ficando! — diz Lucca sem graça
— Melhor ainda, pelo menos fez companhia para Mia. Nossa, a cidade inteira deu um apagão, nós estávamos no meio do jantar quando a energia acabou, por isso nós voltamos mais cedo.
— Agora eu vou indo, meu pai também deve ter chegado do aeroporto.
— Mia, muito obrigada por hoje, qualquer dia vem jantar conosco e chame seu pai e Matt, chamaremos os Jones  também, como nos velhos tempos.
— Claro! — digo com um sorriso simpático — Boa noite!
Então saio da casa dos Jones e fecho a porta.

Eu cresci, vocês mudaram!Unde poveștirile trăiesc. Descoperă acum