Desejo

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Enid Sinclair se virou na cama do hospital, o desconforto em seu peito a fazendo querer deitar de bruços e os aparelhos a impossibilitando.

Ela não era velha,tinha pouco mais de cinquenta mas seu corpo estava cansado,seus cabelos loiros ganhavam pouco a pouco um tom mais esbranquiçado e sua pele estava cheia de manchas, marcas de anos de vícios.

O hospital cheirava mal e a máquina apitava alto.A tal máquina marcava que ela ainda estava viva e se seus batimentos cardíacos estavam se normalizando.

— Está tudo bem?— Uma voz suave perguntou,a senhorinha do leito ao lado lhe sorriu,ela devia ter por volta de oitenta anos e seus cabelos brancos pareciam algodão.Tinha olhos verdes e um sorriso calmo.

Enid já vira aquele olhar de pena inúmeras vezes desde que foi morar nas ruas. Aquelas senhoras pregavam por ai que viver era bom mas Sinclair conhecia o outro lado da vida,o lado cruel. Aquele que tem a face da fome e do frio estampadas.

— Quer que eu chame a enfermeira?— A mulher ofereceu.
— Não!— Enid respondeu com a voz falha devido aos anos de uso do cigarro.
— Meu nome é Grace.
-— Sério?-A loira respondeu,não tinha nenhum interesse na mulher.

— Nasci no natal a muitos anos atrás...
— Estou cansada.— Enid disse cortando a conversa da senhora.
Mas isso de nada adiantou.
— Prazer em te conhecer,Enid Sinclair.— A senhora disse sorrindo vendo a cara de espanto da mais nova.— Eu ouvi a enfermeira falar seu nome.

Normalmente a loira teria se virado e ignorado a senhora mas no momento ela sentia muita dor e não tinha energia para isso.
— Não gosto de estar aqui nessa época do ano...
— Pois é.— Enid respondeu dando pouca importância.

Estavam quase no natal.
Ela sabia o que a senhora queria dizer mas a sua realidade não era a mesma,aquela mulher deveria ter uns dez filhos e pelo menos quinze netos. Diferente dela,Enid ia passar a data sozinha, provavelmente em uma cozinha comunitária.

— Você tem família?
— Tinha...a muito tempo atrás,minha filha morreu em um acidente de carro junto com minha esposa e meu filho... assistentes sociais levaram ele,não tenho notícia desde que ele tinha seis anos.

Bom,aquela descrição era horrível mas era verdadeira e deveria fazer a mulher parar de lhe perguntar coisas.
— Oh querida,eu sinto muito.A vida não é perfeita para muitos não é?

Mas a vida de Enid já foi perfeita,tinha uma casa grande,crianças sorridentes, uma ótima esposa,sua vida era cheia de risadas e abraços.
Antes que tudo tivesse caído num buraco negro.

— Sinto falta de quando meus filhos eram crianças.— Grace sorriu.— Alguma vez você já desejou voltar no tempo?
Enid olhou para a mulher,ela sentiu seus olhos se encherem de lágrimas. Lágrimas tolas que não levariam a nada.

Voltar no tempo...Se aquilo fosse possível, era tudo que ela mais desejava.
Voltaria ao seu último natal feliz, compraria os presentes no dia certo,faria tudo diferente e teria aqueles que ela mais amou do seu lado.

— Estou cansada.— A loira resmungou.
— Voltaria no tempo se pudesse?—Insistiu a senhora.

Sinclair queria mandá-la catar coquinhos mas pensou na possibilidade, deixou pela primeira vez em muito tempo que sua imaginação criasse raízes.

Se ela pudesse com toda certeza voltaria.
Sentiria os cabelos sedosos de sua filha e o trançaria,olharia a menina e beijaria sua testa, abraçaria seu garotinho com afinco e lhe leria histórias de dormir. Sentiria sua esposa lhe envolver em um abraço aconchegante,abraço esse que só ela e os filhos tinham direito.

— Não posso.— Ela murmurou.— Mas se pudesse o faria.
— Você pode querida, segure a minha mão.— A senhoa afirmou.
A mão da mais velha estava gelada e apertava a sua com força.
Enid respirou fundo e deixou ser confortada por Grace antes de cair em um sono sem sonhos.

Christmas Wish- WenclairOn viuen les histories. Descobreix ara