.02 | o twitter de um homem sempre será terra sem lei

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— Acho que odeio minha assinatura agora.

Zushi encarou Gon com um pequeno sorriso e tomou mais alguns goles da própria água, estalando as articulações dos dedos para continuar na tortura inacabável de autografar os mil e quinhentos livros pessoais. Valia a pena por saber que todo o dinheiro seria revertido para instituições de caridade? Sim. Isso os impedia de querer abrir a garganta de fora a fora em praça pública e alegar insanidade? Não. Havia uma linha muito tênue entre amar seu trabalho e gostar das responsabilidades do seu trabalho e naquele momento todos os quatro estavam se questionando como diabos eles haviam coletivamente decidido que era uma boa ideia montar uma banda de punk rock gótico etnicamente diversa com três gays e um hétero e achado que não iriam atrair uma legião de oprimidos tal qual uma música da Lady Gaga em uma boate.

Bom, eles deviam ser estúpidos. Acontece.

— Nós podemos fazer uma pausa. — sugeriu Killua, estalando seu pescoço e esticando o corpo em um ângulo fisicamente impossível para seus companheiros; era macabro como ter vivido quinze anos de balé russo com a cobrança única atribuída a uma mãe japonesa dava-lhe uma amplitude no mover das escápulas que Gon achava improvável acontecer até conhecê-lo. Assim que o alongamento demoníaco terminou, ele desfaleceu como um saco de batatas e apoiou a cabeça no ombro do namorado num inusual momento de busca de conforto, sentindo o braço dele em seu ombro e abrindo um sorriso pequeno antes de engolir todo o resto do suco que havia no copo. Ninguém iria protestar contra descanso.

Talvez fosse algo nos genes, talvez fosse algo na criação, porém nem Alluka ou Killua conseguiam ficar longe de acessar o Twitter em suas micro pausas e ler o tópico da banda de cima a baixo e todas as vezes era como um grande evento, um dos dois lendo cada tweet com uma voz de narrador de novela mexicana e por vezes respondendo um ou outro TechKid. Como a viciada da vez era Alluka, a ela coube o trabalho de entoar os comentários com honra.

— "Para as garotas e para os gays", diz vampitholic com uma foto de Zushi Mariano performando agressivamente. "Um dos maiores nomes do cenário punk gótico atual é uma paty princesa.", diz zoldypower com uma foto de Killua Zoldyck andando na rua com uma mini saia clara e cropped rosa feito em casa e saltos veganos nos pés. Menção honrosa ao fato de que é uma página de stan dos Parentz e quem quer que cuide dela chama vocês de pais. — e mudando um pouco o tom, ela acrescentou indignada — Quem diabos não coloca os pronomes e nem o nome na bio em pleno século XXI?

— Um, eu aposto que elu tem problemas familiares fortes e dois, é ruim mesmo, mas enfim. — o moreno apertou a mão do namorado quando ele entrelaçou seus dedos da maneira que a posição permitia, sentindo o afeto físico de Killua com partes iguais de satisfação e desconfiança; a última vez que ele ficara tão confortável em estar deliberadamente próximo daquela forma havia sido no último ápice do desconforto dele com as tarefas da banda e isso havia o deixado de cama por três dias. Não que ele queira ser um profeta da desgraça, porém as estatísticas não ajudavam muito nesse sentido.

Gon observou enquanto ele fazia um rascunho bonito de um objeto aleatório — o escolhido da vez era o jarro de suco no centro da mesa — e resolveu deixar suas neuras para lá, voltando a atenção a Alluka quando ela soltou uma gargalhada do fundo da alma; algo interessante nos irmãos era que enquanto ela era expansiva e tinha presença o suficiente para quatro pessoas normais, Killua era mais quieto e recluso. Poderia ser por terem sido criados com gêneros diferentes dos que se identificavam durante anos e terem caído em algum vale de estereótipo da dupla descendência com os postos trocados — Killua, a menina russa quieta e séria, e Alluka, o menino japonês enérgico e caótico. Inimaginável era eles terem crescido na mesma casa e no mesmo país.

— Galera, escuta: motivos pelos quais eu acho que os Parentz são um romance unilateral, a thread.

Não havia nada melhor para atrair a atenção do albino do que um post atrevido como aquele e em menos de um minuto ele havia soltado a caneta para prestar atenção em Alluka, ainda recostado em Gon.

✧ MOTHER ARCADE, killugonWhere stories live. Discover now