[01] Cafés amargos para noites sem sabor

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Alicia Brown.

Quando eu senti meu rosto se contorcendo inteiro em sinal de repulsa, percebi que aquele era o café mais amargo que já havia bebido em toda a minha vida. Talvez isso se devesse ao fato de meu humor estar igualmente (senão mais) amargo após mais uma noite sem açúcar, sem amargor, sem sabor algum, para ser sincera. Eu havia saído com um carinha do curso de Filosofia na noite anterior e tinha depositado bem mais expectativa do que a ocasião merecia, já que éramos colegas na disciplina de História da Educação há quase cinco meses e flertávamos o tempo todo, mas ainda assim levou todo esse tempo para chegar até aquela fatídica noite de discursos intermináveis sobre assuntos que eu não me importo apenas para inflar o ego do garoto, e no fim das contas ser recompensada com sexo deprimente sem final feliz. A melhor parte? Tudo por atitude minha, visto que provavelmente ele jamais me chamaria para sair.

- É que o seu gosto para homens é simplesmente o pior. - Christopher repetia do outro lado do telefone após meu relato desiludido sobre o encontro. - Nem dá pra dizer que você tem dedo podre porque acho que seu dedo até já caiu, ele praticamente necrosou. - Dizia, rindo da minha cara.

- Rir da minha vida amorosa e criticar os caras com quem eu saio, você sabe, mas e que tal me apresentar um amigo seu, hein? Alguém que você considere legal? - Sugeri bufando pela vigésima vez, mesmo sabendo que ele jamais o faria.

- Alicia, eu já te expliquei. Esse tipo de troca serve apenas para estragar as amizades. Se começarmos a apresentar nossos amigos um para o outro e acabarmos com encontros horríveis, ou até mesmo futuros divórcios, isso tudo vai recair sobre a gente depois. - Discursou cem por cento confiante de sua crença.

- Não sei de onde você tira essas ideias. - Revirei os olhos. - Desde o ensino médio me privando de sair com seus amigos bonitos. Vai que a minha alma gêmea está em um dos seus grupos de estudos e você evitando o destino! - Dramatizei, como de costume. Sempre que minhas desventuras amorosas reapareciam, eu me confortava depositando a culpa delas na falta de interesse de Christopher em me entregar um universitário gostoso e de saúde mental em dia, de bandeja.

- Acredite, Ali, sua alma gêmea deve estar no último lugar que você pretende procurar. - Falou com ar de deboche.

- Christopher Perry e seu talento para frases completamente crípticas. Odeio vocês, escritores. - Praguejei de mau-humor.

- Também te amo, Ali. - Rebateu, abafando uma risada. - Tudo certo para a maratona de filmes de terror hoje à noite?

- Mais certo do que qualquer outra coisa, meu caro. Te vejo à noite, Chris. - Me despedi e desliguei o telefone. Terminei o café a contragosto, sabendo que precisava da cafeína, pois não sobreviveria facilmente a uma manhã inteira de trabalho ouvindo minhas colegas falarem sobre seus namorados incríveis enquanto eu teria apenas mais uma das típicas histórias da Alicia para contar.

Era o dia dos namorados. Normalmente eu não me importaria com essa data criada apenas para vender itens dispensáveis a casais apaixonados, mas a cada ano que passava, eu me perguntava se algum dia teria alguém para fingir que me importo com isso. Isso em grande parte porque nenhum de meus relacionamentos jamais durou até o dia dos namorados. Todos morrem antes do dia 14 de fevereiro, ou nem chegam a nascer. Foi por conta disso que eu e o Chris, meu único amigo remanescente do ensino médio, decidimos transformar a noite desse dia na nossa maratona anual de alguma coisa totalmente não-relacionada a casais, namorados e amor em geral. Sempre funcionou para nós, já que somos dois condenados à solidão eterna, por mais que ele prefira não admitir, dizendo que é simplesmente mais seletivo em suas companhias do que eu, quando a verdade é que ele saiu com no máximo três garotas durante os cinco anos que nos conhecemos.

Depois de queimar minhas papilas gustativas com aquele café, peguei meus fones de ouvido, minha mochila e saí, torcendo para não encontrar o projeto de filósofo da noite anterior nos corredores da universidade.

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Cupido Reverso [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now