Os olhos da guerra

Ganhando território

   No dia seguinte, não há tempo para falar com Andrea no escritório. Resolvo esperar que você leve o livro para minha casa. Coloco propositalmente uma blusa que deixa parte de meus ombros expostos, mantenho a maquiagem do dia e guardo a jovem chegar. Quando ouço o som da porta se abre, meu coração acelera. Tenho que tê-la comigo, preciso de Andrea. Quando os filhos de seus passos ecoam no corredor, eu a chamo. Ela entra na sala me procurando e não me vê sentado ao canto:

- Está com o livro? – Ela o entrega para mim, finjo prestar atenção nas páginas que estou segurando, mas minha mente está acelerada, penso cuidadosamente nas palavras que irei pronunciar, para não ser denunciada por mim mesma – Paris é a semana mais importante do ano para mim, preciso do melhor time comigo... - Olho para ela rapidamente, minha mente me trai por uns instantes imaginando obscenidades com a morena - ... E isso não inclui a Emily.

-O que? Quer que eu vá? Ah... Não... Não, Miranda... Emily morreria. A vida dela é Paris, ela não vem há semanas, eu... eu não posso. Não posso fazer isso.

Penso rapidamente em como convencê-la a ir comigo:

- Se não for, significa que não leva seu futuro a sério. Na Runway ou em qualquer outra revista. A decisão é sua. – Andrea abaixa a cabeça, visivelmente passando por um conflito interno.

- Mas...

- Isso é tudo.     

Ela sai sem responder. Espero o barulho da porta se fechando e encosto a cabeça na poltrona. Penso em Andrea e em Emily. A ruiva sempre foi uma boa assistente, mas o trabalho da segunda assistente tem se mostrado superior. Prefiro transferir para Andrea a responsabilidade de dar a notícia da mudança para Emily.

     Na manhã seguinte, ao chegar na revista, encontro a morena sozinha na antessala. Ela é tão linda, mas sua feição é de tristeza, ela força um sorriso. Jogo minha bolsa e meu casaco na mesa de Emily. O recado está dado, ela sabe o que isso significa. Entre na minha sala e decido acabar com isso logo:

- Andrea, não esqueça de contar a Emily. – Dou as costas, imagino que se não mandar, Andrea irá prolongar em dizer a verdade para um colega – Fale agora.

Ouço as sussurradas da conversa dos assistentes e de repente a voz desesperada do segundo assistente:

-Miranda! A Emily foi atropelada... eu ia contar para ela... eu ia... mas aí ouvi um barulho de carro e buzina... eu... é tudo minha culpa...

- Vá até o hospital. Conte para ela.     

Ótimo. Agora Emily está machucada perto da semana mais importante do ano. Incompetente. Ao menos não haverá mais a possibilidade de Andrea mudar de ideia sobre ir para Paris. Mal posso esperar para ficar praticamente vinte e quatro horas ao lado da dona dos olhos mais lindos do mundo. Passo o resto do dia pensando nela. Quase no final do dia, ligo para pedir que ela altere a passagem do avião. Normalmente a segunda assistente vai primeiro, para que tudo fique organizado quando eu chegar, mas quero ter a oportunidade de dividir o mesmo ar que Andrea durante as doze horas de voo. Ela me atende, e ouço uma voz masculina dizer em um tom irritado:

- ... olha, se você quer saber, a pessoa que tá te ligando é com quem você tá agora. Espero que vocês duas sejam felizes.  

Logo em seguida, a voz embargada de Andrea me diz que a noite não terminou muito bem para ela. Peço que ela troque a passagem e desligo.

No dia da viagem, Andrea se sentou à minha frente. O perfume dela invade minhas narinas, a sua voz baixa e tranquila me acalma também. Me concentro em resolver os assuntos dos desfiles. Como é bom ter Andrea ali comigo. Após algumas horas de voo, ela adormece.     

Enquanto observo minha assistente adorada no assento à frente, não consigo deixar de me perder na beleza serena que ilumina seu rosto tranquilo. A luz suave da cabine dançando sobre sua pele, realçando sua beleza. Nesse momento, como se o mundo exterior desaparecesse, deixando apenas nós duas ali.Meu coração bate um pouco mais rápido quando observo a delicadeza de seus traços, a simplicidade de sua respiração calma. É nesses momentos roubados que percebo o quão bom é tê-la ao meu lado. Eu quero para sempre.

    A paixão que sinto por ela toma conta de mim. Enquanto o avião corta os céus, minha mente vagaia pelas possibilidades que o futuro reserva para nós duas. E mesmo que o mundo lá fora seja certo, uma certeza permanece inabalável: a beleza da mulher adorada à minha frente, que derrubou minhas barreiras e por quem irá lutar para que seja minha.

Isso é tudo.