Era tudo ou nada.

Gwenda estava disposta a sair de casa naquele dia, disposta a se ver caminhando para o bar em que a amiga trabalhava. Aparecia lá nas manhãs, duas vezes por semana, todas as quartas e sextas. O resto dos dias estava na arena, ganhando montanhas de dinheiro com a mira que ganhou e evoluiu por anos pelos ensinamentos do pai.

As mãos tremiam ao lado do corpo e Gwenda fechou os punhos, tocando a arma em seu quadril. O chão estremeceu sob seus pés, a gota parecia escorrer pela sua nuca.

Então ela saiu de casa com uma calça de tecido pesado e bolsos enormes de lado nas panturrilhas e nas coxas. Uma corda estava presa a cintura do lado oposto da arma e a regata preta ressaltava a pele bronzeada pelo sol que pegava todos os dias, cada segundo exposta ao dia ensolarado, assim como a chuva que quando vinha era certeira e cortante.

Gwenda perfurou a própria mão com as unhas que nunca tinha tempo de fazer e não tirou a outra mão da arma, não ousou fazer tal coisa quando tudo que podia sentir era nervosismo e raiva. Não estava nos melhores dias.

Ela se viu contando os passos. Um, dois, três. Gwenda sabia quantos passos tinha de sua casa até o bar onde sua amiga estava. Quatro, cinco, seis. Mas não faria mal se distrair um pouco.

Fazia quase sete anos. Sete anos, desde que Killian e Gwenda estavam juntos. Sete detestáveis anos.

Como uma pena andando sobre o vento, Gwenda desviou de um corpo. Nove, dez, onze, doze...

Jovial como uma espada recém feita, Gwenda cortava o ar através das pessoas com facilidade, desviando por puro instinto, sentindo a brisa que esses corpos faziam ao passar por ela.

O portão em sua mente se abria aos poucos, mas ela não queria, não podia deixar aquele terror lhe tomar por interia. Tinha de manter fechado.

Gwenda suspirou e se controlou.

Homens e mulheres passavam pelo seu lado vestidos formalmente, as gravatas perfeitas. Carruagens eram expostas na rua com o cocheiro sério e impertinente.

Céus, ela podia passar quantas vezes necessárias pelas calçadas, ganhar milhares de fracções de ouro e ainda assim ela passaria despercebida pelas ruas. Contudo, o rei odioso de Carsany estava lá, sempre, sempre a observando, sempre a chamando para um trabalho sujo, tentando negociar.

Isso não é há muito tempo. Começou este ano. As cartas, as recompensas que aumentaram impetuosamente, os respectivos acordos que recusou todos.

Gwenda não queria fazer nada que tivesse a ver com o rei, nada. Optara por se assassinar ao invés de aceitar algo assim. Que o rei encontre outro alguém para fazer seu trabalho condenável.

Até o ano passado, ela era irreconhecível aos olhos de qualquer um. Nunca ninguém se importou com a maior atiradora da capital, nem mesmo o rei. Porém os rumores começaram e, Gwenda faria de tudo para que todos soubessem a verdade e não cogitassem em pensar o contrário.

Havia três anos desde que voltara para a Capital. Ela não tinha outra escolha há sete anos a não ser fugir pelo problema que tinha se envolvido. Pelos deuses, ela estava destinada à forca há sete malditos anos.

Um, dois, três... se acalme. Ela começou a contar os passos novamente, os dedos tremendo no cano da arma, prontos para agarrar com força e remover da cintura.

Foi um alívio entrar naquele bar, ver o rosto de Kimer que esboçava um sorriso ao perceber Gwenda na porta parada como uma estátua e impedindo de um homem entrar.

As Crônicas de Carsany e suas RelíquiasOnde as histórias ganham vida. Descobre agora