OS TREINOS COM NETEYAM já tinham virado parte da minha rotina, como o ar úmido que eu respirava ao acordar ou o cheiro de folhas esmagadas sob meus pés. Todo dia, ao primeiro sinal de luz, lá estávamos nós: dois corpos na clareira, lanças firmes, suor frio na pele e silêncio cortado apenas pelo som da respiração e do metal chocando.

Eu não queria admitir, mas já tinha me acostumado com ele. Com a disciplina irritante, com o olhar, com o jeito calmo demais que parecia tentar me desmontar.

E desde que ele completou 14 anos, parecia ainda mais seguro. Crescendo rápido demais.

Quando terminamos de ajeitar os equipamentos daquele dia, eu soltei a ideia como quem joga uma pedra num lago só para ver as ondas:

— O que acha de uma visita pelas Montanhas Aleluia?

Ele ergueu a cabeça, e depois sorriu.

— Pode ser bom. Explorar mais... e talvez você encontre um lugar que realmente goste.

Eu dei de ombros, tentando parecer indiferente.
Embora só o pensamento de voar já fizesse meu coração bater diferente.

Subi atrás dele no Ikran, o Yes. Minhas mãos hesitaram antes de tocá-lo. Primeira vez encima um Ikran de verdade, sentindo os músculos tremendo sob minha perna, o calor vivo do animal, a respiração dele vibrando no meu peito.

Apertei a cintura dele.

Ele olhou rápido por cima do ombro, riu pelo nariz e deu dois toques leves na minha perna.

Então ele puxou as rédeas e voamos.

O mundo caiu sob nós de uma vez. O vento bateu no meu rosto como choque e carinho ao mesmo tempo. O frio da altitude misturou com o calor da adrenalina subindo pelo meu corpo. Lá embaixo, a selva infinita, respirando viva.

E eu ri. Nem pensei, nem tentei controlar.

Só ri.

— Isso é incrível, Neteyam! — gritei, e o vento levou metade da minha voz.

Ele também ria.

Talvez pelo meu descontrole, talvez porque estar no ar com ele era natural, como se tivesse nascido pra isso.

Me levantei um pouco, apoiando as mãos nos ombros dele. A pele quente, firme. O vento puxando meus cabelos. Ele segurou minha perna com mais força.

Por alguns minutos, eu me esqueci de tudo, de quem eu era, do que eu estava ali pra fazer, de quem eu precisava evitar, do segredo latejando no fundo da mente.

Só havia o céu. E o som do bater das asas. E liberdade.

Quando pousamos em uma das montanhas, o mundo pareceu pequeno sob nossos pés. O ar ali era diferente. Eu sentia a energia pulsando nas pedras, como se Eywa respirasse ali.

— Não corre muito — ele avisou.

Então, obviamente, eu corri.

O chão úmido sob os pés, folhas largas roçando minhas pernas, cheiro de musgo e flores selvagens.
Eu precisava daquele movimento. Precisava sentir.

Neteyam me seguiu, passos leves, olhos atentos.

Sempre atento.

Até que o verde acabou abruptamente. Meu pé bateu em metal duro.

Neteyam parou ao meu lado, ombros tensos. O olhar dele mudou.

— Acho que não deveríamos estar aqui — murmurei.

— Não deveríamos — ele respondeu, voz baixa. — Meu pai... lutou aqui. Quaritch morreu aqui.

Eu caminhei mais, até ver a aeronave pendurada nos cipós. Me aproximei. Toquei os cipós. A textura fria do metal sob meus dedos.

PUPPET GAME ' NETEYAM SULLYWhere stories live. Discover now