único.

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Caminhei mais um pouco pela floresta. O vento batia em meu rosto, refrescando-me do que parecia ser mais um dia quente. As folhas das árvores mexiam-se e a única coisa audível o suficiente aquele ponto era o som de meus próprios pés contra os pequenos galhos caídos no chão.

Tudo naquele lugar parecia conversar comigo, de alguma forma. O vento batendo pelo meu rosto tentando me consolar. O som dos pequenos galhos contra meus pés, fazendo barulho ao quebrarem e me distraindo da própria mente. O verde exagerado do local que me fazia admirá-lo por longos minutos…

Parei de caminhar, me deparando com o que havia procurado há muito tempo. Um casebre no meio dali, apenas para os que procurassem atentamente. Um lugar de lembranças. Naquele momento, pra ser exato, as minhas lembranças.

Engoli em seco, sentindo pela primeira vez o corpo se arrepiar. Espera, quando ficou tão frio? Chequei o celular, mesmo sem sinal, ainda conseguia ver a temperatura.

20°.

Bem, isso explicava algumas coisas.

Caminhei com cuidado até a entrada do casebre. Ele era feito de madeira, construído especificamente pra ser frágil, e mesmo assim, estar ali há tanto tempo. Tinha a aparência antiga e por dentro, era escuro. Não havia luz a não ser a da pequena lareira que ali residia e, como que pra ajudar quem quer que entrasse ali, uma caixa com fósforos em cima de uma pequena mesinha também de madeira.

Observei o local por alguns segundos, soltando a porta atrás de mim e deixando que ela fechasse sozinha com a força do vento em si, fazendo um barulho consideravelmente alto por conta da madeira já envelhecida.

Sorri. O local me passava conforto, apesar de ser escuro e sujo. Era silencioso. Calmo. Acolhedor.

Balancei o celular nas mãos, vendo a lanterna do aparelho ligar em seguida para ver melhor. Foi aí que, então, eu vi um grande álbum de fotos preto sobre a mesa, ao lado do fósforo.

Ele parecia envelhecido, mas sofisticado. Era pesado como se carregassem lembranças que ninguém gostaria de recordar e como se eu já tivesse aberto aquele grande álbum alguma vez, eu soube do que se tratava.

Eram as minhas lembranças. As nossas.

Sorri pequeno, tentando engolir a súbita vontade de chorar quando passei os dedos pelo couro envelhecido da capa. Não havia nada escrito nela. Apenas o preto estampado no grande álbum, como um convite silencioso para que eu finalmente o abrisse.

Apoiei o meu celular ainda ligado na mesa, a luz na lanterna me ajudando a distinguir o que eu estava fazendo. Peguei o fósforo, riscando-o contra a lateral da caixa e vendo o pavio se acender. Joguei a pequena chama sobre a lareira, sentindo quando o quente do fogo finalmente atingiu meu corpo que já começava a dar sinais de frio.

O lugar finalmente se iluminou e eu pude assim desligar a lanterna do celular, deixando que sua bateria se economizasse. Peguei o álbum novamente, então tomando coragem para abri-lo.

A primeira foto me atingiu com força.

Eu. Você. Meus lábios nas suas bochechas enquanto você sorria, o efeito preto e branco que predominava na foto meio tremida. Nós estávamos numa pizzaria.

Naquele dia, você havia ficado chateado pois nossos planos do dia 28 haviam sido destruídos pela chuva. Iríamos fazer um piquenique, mas a grama do local provavelmente estaria molhada então ficamos em casa.

Pensei muito no que fazer naquele dia. Então, a noite, pedi que se arrumasse e eu te levasse a uma pizzaria. Era pouco, mas era o que eu podia oferecer. E, por Deus, hoje eu me pergunto se foi o suficiente pra você andar com alguém como eu, que não podia te proporcionar tanto luxo.

Eu me questiono sobre tanta coisa relacionada a você, Benjamin.

Foi uma noite boa. Comemos, rimos, voltamos pra casa e fizemos amor. Ainda sinto suas mãos pelo meu corpo quando fecho meus olhos, ainda sinto seus beijos que eu queria tanto que fossem descartáveis, mas estão gravados na minha mente até o dia de minha morte.

Passei a página do álbum, deixando um pequeno sorriso escapar dos meus lábios. O fundo azul da foto era predominante. Era a parede da rodoviária, de onde estávamos encostados. Sua cabeça estava sobre meu ombro e nós nos olhávamos. Havia uma ternura indescritível no seu olhar. Por Deus, onde você havia aprendido a mentir tão bem?

Eu estava indo embora naquele dia. Você havia ido me deixar na rodoviária e estávamos esperando pelo ônibus. Foi um dos piores dias da minha vida, e mesmo agora, ainda sinto o gosto amargo de ter que te deixar. Acho que nossa despedida definitiva foi naquele dia. Não em julho, quando brigamos e saímos um da vida do outro. Mas no dia que eu subi naquele ônibus de volta pra minha cidade.

Nós nunca mais fomos os mesmos. Você sabe disso, não sabe?

Eu te beijei com o gosto salgado das nossas lágrimas se misturando enquanto sussurrava diversas vezes contra sua boca que iria voltar. E eu ia. De alguma forma, algum dia. Mas você não quis, eu não quis, e aqui estamos.

Presos em memórias de um álbum dentro de um pequeno casebre.

Gravei a foto em minha mente antes de, mais uma vez, virar a página.

Como que por pura ironia, a próxima foto era na mesma rodoviária, mas do dia que eu havia chegado. E eu lembro de cada detalhe desse dia gravado na minha memória.

Acho que a única coisa boa que posso tirar de tudo isso foi viajar. Eu amo a sensação de viajar. Pena que o resto da viagem me deixe com uma vontade de chorar.

Lembro de que peguei o ônibus de Campinas até sua cidade de manhã, depois do vôo. Fui o caminho ouvindo a playlist que te fiz, ansioso, nervoso, tantos, tantos pensamentos… a cada vez que o ônibus parava, me sentia mais nervoso. Eu já sabia como se parecia a rodoviária, então, quando finalmente cheguei, eu soube.

Guardei meus fones de ouvido e coloquei a mochila nas costas, quando finalmente te vi me esperando pela janela do ônibus. Tropecei enquanto saía dele, descendo dali e indo pegar minha mala com as mãos tremendo. E então finalmente cheguei perto de você.

Você parecia distraído, olhando pro outro lado, usando um vestido vermelho de bolinhas brancas. E então como se sentisse, você finalmente se virou e colocou as mãos sobre a boca ao me ver, enquanto eu abria os braços para que você me abraçasse.

“Você tá em casa”, eu disse enquanto você chorava nos meus braços. E foi o melhor momento da minha vida. Tudo pareceu fazer sentido, tudo parecia se completar… era a melhor sensação da minha vida.

Então você começou a nos filmar. Foi nosso primeiro registro. Eu segurei seu rosto com as duas mãos e te beijei, logo depois, nos abraçamos com as bochechas encostadas. Um print daquele vídeo se transformou em uma foto tão bonita e espontânea, não?

— Merda. Não posso mais olhar essas fotos. — Sussurrei baixinho com a voz rouca por tanto tempo em silêncio, folheando o resto do álbum e vendo pequenos pedaços do resto das fotos.

Fechei o álbum bruscamente, limpando uma lágrima que caía pelo meu rosto. Não me lembro de ter começado a chorar.

Sem hesitar, joguei o grande álbum na lareira, observando as chamas queimarem lentamente a capa do álbum e suas folhas amareladas. Não sorri, nem sequer chorei. Só me sentia vazio.

Peguei o celular de cima da mesinha, virando as costas para a lareira que queimava lentamente as folhas daquele álbum. Ao sair, percebi que o tempo havia escurecido. Já era noite e agora o clima era mais frio, me fazendo abraçar o próprio corpo. Olhei para o casebre na minha frente, sorrindo de lado.

— Queria que isso fosse um adeus, mas nós dois sabemos que não é, certo? — Senti o corpo tremer pelo frio, sem me importar. — Ainda vou voltar. Ainda vou lembrar de nós dois, por enquanto. Mas não espere que isso seja pra sempre.

E então finalmente virei as costas para o casebre, caminhando pra longe das memórias e de você.

Espero não sonhar com você hoje.





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⏰ Last updated: Nov 27, 2023 ⏰

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