3º Ato

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— Eu vou aí pessoalmente calar a boca desse filho de uma puta se ele não parar com isso — gritou Mike atrás do vidro, sendo ouvido apenas por Seth, que sentiu aquilo como uma pontada dolorida em seu tímpano.

E o bandido continuou: — Mas a esta altura o senhor já sabia disso, não é, detetive Seth?

Seth olhou pra baixo. Não queria admitir aquilo pros seus colegas, mas sim, já sabia.

— Mas isso não importa. Você está aqui, e nós faremos questão de contar uma história bem diferente sobre você, Victor. Talvez que ateou fogo em crianças, e então se matou? Acredito que essa possa funcionar.

O terrorista abriu um sorriso.

— E isso te conforta, detetive? Quero dizer, será que sua alma ficará tranquila de saber que tudo o que fez até hoje, desde seu alistamento no exército, sua incrível trajetória no FBI, e então na CIA, tudo, têm sido apenas pra defender os interesses daqueles que estão acima da justiça e da lei? Nós dois somos apenas marionetes no jogo deles, Seth. E isso é algo que você precisa aceitar, antes que seja tarde demais.

— Isso é uma ameaça?

— É claro que é. Mas não é minha, não. Nós estamos do mesmo lado, mesmo que não perceba isso. A ameaça é daqueles que nos assistem de longe em suas mansões gigantes à beira de praias paradisíacas, que administram todo o dinheiro que nós, os trabalhadores geram diariamente enquanto pagam impostos, que aliás, pouquíssimo é, de fato, revertido pro nosso benefício.

— Você é realmente maluco. Acreditar que estamos no mesmo lado? O que te faz pensar nesse delírio?

— Não é um delírio, Seth. Você, eu, e a maioria daqueles que nos assistem por trás deste vidro, estamos do mesmo lado, pois nenhum de nós tem poder suficiente para driblar a justiça a nosso bel prazer. Nenhum de nós, sozinhos, tem poder para controlar o estado sem nos rebelarmos contra ele. Para os olhos destreinados, parecemos sim muito diferentes uns dos outros. Mas para esses poucos, somos todos iguais, e jogamos o mesmo jogo.

A ira de Seth apenas aumentava, e sua mente já não estava mais ali naquela sala com Victor enquanto era observado por todos os seus colegas e superiores, como um teatro, onde apenas performava seu papel e declamava suas falas, previamente escritas no roteiro. Não. A mente de Seth estava naquela menininha, que divertia-se inocentemente no balanço do jardim, e num momento seguinte, não balançava mais, mas descansava. Talvez em paz, num buraco na terra, cavado só para ela.

— Nós não estamos do mesmo lado. Você matou pessoas inocentes. Várias delas. Machucou e quebrou famílias inteiras. Tudo em nome de que? Dos seus ideais? O que os seus ideais fizeram pro bem do nosso país? Me diga!

— Pessoas inocentes morrem a todo instante, detetive, e o senhor sabe muito bem disso. Mas o que nos difere deles, é que nós nos importamos com elas. Suas mortes jamais serão esquecidas. Sua filha jamais será esquecida.

— Seu filho da puta! — disse Seth, desferindo um soco com toda sua força na mandíbula de Victor, fazendo o homem cair pra trás, deixando-o com a boca torta, e um fio de sangue no canto. — Você não tem direito algum de trazê-la pra cá, está me entendendo?

— Seth tem uma filha? — questionou Lilian — Como, comandante? Isso não estava nos registros dele.

Todos seus colegas ficaram em choque com aquela notícia. O comandante apenas consentiu com a cabeça, e voltou a olhar através do vidro.

Victor se levantou aos poucos. Tentou colocar a mandíbula no lugar, esboçando um pouco de incômodo, e dificuldade em falar, mas quase como se nada tivesse acontecido, continuou:

— Eu sinto muito, Seth. Nossa sociedade está doente, e somos todos vítimas dela. A verdade é que não fazemos ideia do que estamos fazendo aqui, enquanto somos controlados por quem faz menos ainda, mas achou um jeito único de sobreviver. Um jeito macabro que precisa nos explorar até a última gota de sangue, pra que o jogo possa funcionar. Aqueles que matei intencionalmente não me tirarão nunca o sono. Pois agora estão mortos, e eu faria de novo. Minha mensagem já foi entregue, e em poucos minutos a partir de agora, o mundo inteiro estará recebendo por e-mail os nomes daqueles que nos controlam a todos, seus endereços, e todo o histórico de dados que coletei deles nesses últimos anos. A máscara do governo dos Estados Unidos vai cair, e a população vai finalmente ver quem de fato são os terroristas. Esse foi meu legado: descortinar e inverter os valores de justiça que aprendemos a seguir através de filmes e escola.

— Você não pode estar falando sério! Mike, vai ver isso agora — esbravejou Seth, quase olhando-os através do espelho.

Aquela informação causou um alvoroço no quartel. Não demorou muito, todos eles passaram a receber e-mails com as tais informações. Fotos, documentos assinados por presidentes, deputados, senadores, vídeos. Escândalos sexuais, abusos, mortes provocadas. Ataques aéreos de caças americanos à países no oriente médio e mercosul. Tudo estava ali, escancarado para o mundo todo ver.

Victor estava sereno, exibindo um sorriso no rosto quebrado. Se tudo aquilo fosse verdade, a vida inteira de Seth teria sido uma mentira. Tudo o que fizera, fora feito apenas para defender os interesses egoístas de um pequeno grupo de pessoas, que nada tinham a ver com Victor, nem com Seth, nem com sua finada filha.

Seth sacou a arma, apontou-a na cabeça de Victor, que o olhava sem julgamentos, e atirou. Seus miolos voaram pela sala, pintando a parede branca de um vermelho escarlate intenso. Seth olhou atrás do espelho, onde estavam seus colegas, horrorizados com aquela atitude de um homem que sempre fora capaz de controlar suas emoções. Ele apenas guardou a arma, e então abandonou a sala. A morte seria encoberta, claro, e o governo estava fazendo de tudo para contornar os danos à sua imagem feitos através dos e-mails de Victor com notícias falsas na TV, nos jornais e na internet.

Em pouco tempo, a fumaça baixaria, e tudo voltaria ao normal. Cada um de nós seguiria sua vida, pois nesse jogo, revoluções não pagam nossas contas.  

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Nota do autor

Espero que vocês tenham gostado desse miniconto! Espero em breve postar mais histórias por aqui! Por favor comentem, e me sigam nas minhas redes sociais pra receberem novos updates: Insta e Tiktok: oextraimaginario

A Justiça Não É Cegaحيث تعيش القصص. اكتشف الآن