— Algum problema? — perguntei, fingindo que estava mais focada no ikran do que nele.
— Nada. — Respondeu rápido demais.
Eu ri de leve, tipo aham, sei.
— Não disse que você tava mentindo — falei, dando de ombros.
— Mas pensou — ele resmungou, jogando uma fruta pro ikran com a pose mais dramática do planeta.
— Não vou negar — respondi, roubando uma fruta da cesta dele e mordendo, só pra provocar.
Ele ficou um tempo em silêncio. Eu continuei cuidando do ikran, passando água na cabeça dele, como se nada demais estivesse acontecendo. Mas eu observava Lo'ak pelo canto do olho.
— É que, tipo... — ele começou.
Olhei pra ele com a expressão de "pode falar", aquela expressão de amiga confiável que eu aprendi a usar.
— Só que, quando eu falar, finge que nunca ouviu — ele pediu baixinho.
— Poço do esquecimento — murmurei. — Tudo some depois.
Mentira. Nada iria pro poço do esquecimento. Eu registrava tudo. E Lo'ak era o tipo que falava demais, o que era ótimo pra mim.
Ele respirou fundo.
— Às vezes eu acho que meus pais amam mais os meus irmãos do que a mim.
Ele disse isso tão baixinho que, por um segundo, parecia que a floresta inteira ficou triste junto com ele. Doeu ouvir, e nem era minha dor.
— Lo'ak... acho que seus pais te amam, só... cada um demonstra de um jeito — falei devagar. Não era meu papel machucar uma criança. Mesmo que tudo fosse falso, ele era só um garoto tentando ser visto. — Às vezes demora pra gente perceber.
Ele chutou o chão, sem olhar pra mim.
— Acho que eu sempre estrago tudo — continuou. — Eles nunca ficam felizes comigo.
Eu suspirei. Criança carente. Excelente fonte de informações. Mas também... ele parecia tão sozinho. Eu entendia aquela sensação mais do que queria admitir.
— Você não é problema — respondi. — Continua sendo você. Uma hora eles vão enxergar.
Ele levantou o olhar, meio esperançoso, meio desconfiado.
— Você acha mesmo?
— Acho — sorri de leve. — E eu tô aqui pra ouvir, quando quiser.
Ele ficou quieto por um instante, mexendo numa folha.
Depois olhou pra mim.
— Você é filha da Liz, né?
Meu corpo travou por um segundo. Mas eu mantive o sorriso.
— Sim. Por quê? Conheceu ela?
— Só em vídeos da mãe da Kiri — ele respondeu.
Eu franzi a testa.
— Mãe da Kiri? Achei que ela fosse filha da Neytiri.
Lo'ak balançou a cabeça.
— Ela é minha irmã. Mas é filha da Grace. Nascida do avatar dela.
Meu coração disparou. Eu quase derrubei a cesta que estava segurando, Lo'ak pegou antes.
Filha da Grace.
Filha da Grace.
Kiri era filha da Grace Augustine.
Minha mãe.
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PUPPET GAME ' NETEYAM SULLY
FanfictionJOGO DE MARIONETES | O egoísmo dos homens revela suas sombras mais obscuras. Valentim nunca enxergou Maeve como uma criança. Desde o momento em que a sequestrou ainda bebê, ela foi apenas um experimento. Uma arma em potencial. Criada entre cientista...
003. IKNIMAYA
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