— Obrigado, Bernard. Irei procurá-la. — Mal terminou de falar e desapareceu na noite que caia lentamente. O Sol parecia estar se escondendo mais rápido no horizonte, como se para não presenciar a atrocidade que estava prestes a acontecer.

Bernard sentia medo do amigo, mas jamais o denunciaria por conta de Gerard tê-lo salvado outrora. Devia-lhe a vida. Ele também sabia sobre a lenda da família du Chantraine, visto que era primo distante das condenadas. "Pobres mulheres", pensou ele, "serão queimadas vivas em praça pública, vítimas de uma injustiça". Jamais demonstraram ser diferentes, apesar de possuírem um dom. Usavam os seus poderes para ajudar o povo, principalmente curando as doenças dos camponeses mais necessitados. Depois daquela misteriosa morte da filha mais velha de Odette du Chantraine, não tiveram mais paz e então foram condenadas à fogueira.

Gerard tentou chegar o mais rápido possível à mansão, mas quando finalmente a avistou, percebeu que uma grande aglomeração estava em frente aos portões. Ele estava "atrasado" e talvez fosse tarde demais. Furtivamente, pulou o muro e correu desesperado para a porta dos fundos. Precisava ao menos vê-la antes que a levassem, tocá-la e dizer o quanto a amava, mesmo que não acreditasse nesse sentimento há muito tempo.

Para a sua sorte, a porta estava aberta e assim evitaria chamar a atenção ao arrombá-la. Passou como um vento pela cozinha e subiu a escadaria a fim de chegar ao quarto da amada. Não estava cansado ou esbaforido ao final das escadas, pois era um ser imortal e há muito tempo tais sensações não faziam mais parte de seu cotidiano. Quando abriu a porta, ela estava debruçada sobre a escrivaninha.

Jeanne se assustou ao escutar o barulho da fechadura sendo aberta, mas logo viu de quem se tratava e deixou que um sorriso se apossasse de seus lábios. Sem delongas, correu para abraçá-lo e quando seus pequenos dedos, quentes como brasa, passaram por seu rosto, ele fechou os olhos a fim de sentir aquele suave toque uma última vez. Na verdade, somente ela conseguia fazê-lo "sentir" algo, pois seu corpo morto era completamente alheio a todas as coisas.

Gerard afastou-a por um momento, somente para poder contemplar aquele rosto alvo como algodão, emoldurado por longos cabelos loiros como raios de sol, e aqueles lindos olhos verdes, claros como água cristalina, miraram-no tristonhos. Eles estavam levemente avermelhados, sinal de que Jeanne havia chorado.

— Já soubeste, não é mesmo? Fomos condenadas. Todas nós iremos morrer. — Sua doce voz soou como uma sentença desesperada aos ouvidos dele. Não podia suportar que o final de Jeanne fosse tão cruel.

— Sim, eu soube, mas não posso permitir. Como conviverei com isto? — A voz de Gerard, outrora imponente, vacilou, transformando as últimas palavras em sussurros amedrontados. — Como viverei sem seu amor?

— Tu conseguirás, meu bem. É o melhor e ambos sabemos. Caso contrário, os impuros irão utilizar o nosso sangue para confeccionar mais amuletos. Será uma catástrofe se puderem vagar pela terra durante o dia. — Uma lágrima escorreu pelo canto dos olhos da delicada garota. — Já basta Angéle. O sangue dela caiu nas mãos erradas e agora não há como saber a magnitude das consequências.

— Entendo, mas... Tu não podes morrer assim. Eu poderia... — Ela o interrompeu antes que completasse a frase.

— Não! Eu não quero ser como tu, um predador que... Perdoe-me, meu bem, eu o amo mais do que tudo, mas não desejo vagar pelo mundo como um ser noturno. Tenho muito poder e por este motivo é preferível que eu morra. — Sensata como sempre, ela o olhou de forma severa. — Devido aos meus dons, serei demasiado perigosa, muito além de um vampiro comum e sabes disso — resmungou baixinho.

Gerard sentiu-se terrivelmente magoado diante das palavras dela. Ouvi-las de sua boca o fizeram sofrer a sensação de mil agulhas perfurando seu corpo. Era suportável, mas extremamente doloroso.

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