Salvo por um demônio

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Fredo não tinha nada, apenas as quatro paredes o impedindo de ver o brilho do sol. Sem água e comida, um esforço da Santa Inquisição para dar o máximo de sofrimento ao homem suspeito de praticar bruxaria. Em uma noite clara, o castelo feito de madeira pegou fogo misteriosamente, obrigando os nobres e reis a abandonarem a fortaleza deles. Era a chance perfeita de deixar os
presos ali morrerem para o reino se livrar de tantos casos violentos. Fredo, quando viu o que deveras estava acontecendo, se contorceu de ódio por aqueles que iam deixando-o para trás. Ninguém se importaria com um criminoso. Então ele recorreu, por desespero, ao que podia para ajudá-lo a sair dali: invocar algum demônio. Após pronunciar palavras estranhas no canto escuro da cela, uma sombra com dois olhos amarelados apareceu no centro.
— Está presente? — indagou Fredo.
— Atrás de você, meu servo — respondeu o demônio preto.
Os pelos de Fredo avultaram assim que se virou. Sem tempo, ele desabafou do que precisava: ir embora antes que as chamas o transformasse em pó.
— Eu tenho esse poder, mas quero algo em troca — disse a sombra.
— Eu aceito tudo, mas antes me tire daqui, rápido! — A cela já estava quente como um forno, e até um ovo queimaria lá dentro.
— De manhã você será um pássaro, ao meio-dia uma galinha, e às meia-noite um homem — ordenou a coisa.
A sombra tomou forma, e de suas costas surgiram duas asas. Ao pegá-lo no colo, o demônio levou o presidiário para os ares e o largou caído perto de uma cabana no campo, longe do reino. — Sua alma agora é minha, meu servo — disse,
desaparecendo nas nuvens, deixando Fredo olhando o castelo em chamas lá no fundo. Atrás dele, uma camponesa chorava porque seu pai, que era cego, estava muito velho e doente para conseguir presenciar a virgem filha se casar. Fredo se aproximou dela e acalmou seu coração, avisando que tinha intenções de ser seu futuro marido. A camponesa saiu de mãos dadas com ele e foi contar ao pai, que concordou emocionado. O casamento foi organizado alguns dias depois, numa cerimônia simples no campo. Fredo, porém, não esqueceu de sua maldição, o que não o deixou ficar tão feliz quanto os outros.
Ao irem para cama na noite de núpcias, Fredo contou a esposa que iria trabalhar o dia todo e chegaria só meia-noite, "em busca de comida", explicou. Com isso, a pobre camponesa vivia sozinha com o velho pai, reclamando da fome extrema e da saudade que sentia pelo amado, mas mal sabia que o pássaro que cantava todas as manhãs na verdade era seu marido.
Um tempo depois, quando seu pai estava mais magro ainda, por sorte aparecera uma galinha gorda e grande no galinheiro ao meio-dia. A camponesa ficou tão feliz que quase infartou com a novidade, e foi logo avisar ao pai que chorou de alegria. Com cuidado, ela
quebrou o pescoço da galinha que curiosamente parecia morrer feliz, livre de alguma prisão
interior. A camponesa preparou um molho delicioso com ervas, comeu a fartura e guardou um pouco ao marido que não chegou nunca mais.

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