vīgintī trēs

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– Aliás, Louis, você não acha que Deus pode ser marxista? Porque Jesus certamente foi.

Niall faz questão de soar como um comunista ateu, embora não seja nada disso. Tudo isso pelo simples prazer de provocar. Ele quer testar as convicções e os argumentos de Louis. Quer vê-lo ceder. Deixá-lo sem palavras. 

Para sua decepção, é Harry quem fica nervoso.

– Não o leve a sério, Louis. Ele só tá zoando com sua cara.

– Tudo bem, Harry. Niall tem pontos válidos. Eu seria mesmo um cínico se ignorasse o passado da Igreja. Toda a violência usada em nome de Deus é indesculpável. Mas foram erros humanos, não da religião. Não podemos esquecer que a ciência e a medicina também eram violentas, assim como a criação de filhos e etc. Na Grécia Antiga, então, as barbaridades eram grotescas. De fato, demorou muito até entendermos e aceitarmos a igualdade e amor ao próximo que Jesus tanto pregou - que, ok, pode ter sido uma das inspirações de Marx, o que tem de mal nisso?!... E mesmo assim nós nos maltratamos de vez em quando.

Humilde e razoável. Esse é o tom inabalável que ele dá à conversa. Por conta disso, a discussão não fica sombria. 

A tranquilidade de Louis não é uma surpresa, mas a firmeza de sua crença e de seus princípios, sim.

Louis vacila nem gagueja um momento sequer. Harry, em contrapartida, sente o rosto arder diante das heresias de Niall.

Como é possível Louis e Harry terem a mesma idade e terem morado juntos por meses, mas um é absurdamente maduro, enquanto o outro precisa se esforçar para não perder as estribeiras?

Como é possível Niall e Harry terem crescido na companhia um do outro e, ainda assim, um é destemido como um leão faminto enquanto o outro não passa de uma gazela assustada.

Niall se diverte alimentando a esperança de que desarmará Louis quando abrir a boca. Louis se diverte não permitindo que isso se concretize.

Não obstante, justamente quando Harry começa a relaxar, a discussão aborda o futuro do seminarista. Niall sugere que logo, logo, quando tiver concluído o seminário, toda essa ética imaculada dele vai ter se dissolvido pela moral ortodoxa da Igreja.

Louis não se dá ao trabalho de negar, apenas pontua que ainda há uma longa jornada até o fim da formação.

– Dizem que os tempos na universidade passam rápido - garante Niall.

– Mas depois disso ainda vou ter longos anos como noviço.

Niall grunhe e franze o rosto numa careta.

– Por que fazer isso com sua vida, cara? Por que simplesmente não vira um professor e trabalha pra caridade nas horas vagas?

Louis dá uma boa gargalhada.

– Não é a mesma coisa. E o noviciado não vai ser ruim. Vai ser tipo um intercâmbio.

– Vocês não vão ficar na Inglaterra durante isso?

–  Não. Vamos pra França, num mosteiro em Lourdes. Acho que não te contei isso, né, Harry?! Nos contaram na sexta.

– França!? - Harry enuncia num suspiro - Parece incrível… A gente devia ter adivinhado, com toda aquela insistência para aprender francês.

Que horizonte promissor. E merecido. Pois é isto o que ocorre às pessoas como Louis, elas voam alto. Às pessoas como Harry, cabe apenas assisti-las do chão, irritadas com o próprio peso.

Enfim, acaba que os rapazes perdem a noção do tempo e Louis, sobressaltado, descobre que precisa correr para estar no convento antes de amanhecer.

Harry se prontifica a acompanhá-lo até o estacionamento.

immaculate sin of the lovers • L.S.Onde histórias criam vida. Descubra agora