Capítulo 1

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Flórida

St. Augustine Hospital

NEM PRECISEI que o som estridente do meu despertador me acordasse, já que eu não durmo bem há dias. Não sei bem o que tem me deixado acordada à noite, mas seja o que for tenho que me livrar disso o quanto antes.

"Se a noite foi longa, o dia será ainda pior". Esse é o meu dilema, e não tem um só dia que isso não esteja correto. Exceto nos dias em que a emergência está calma, como hoje.

Por estas e muitas outras razões, o St. Augustine se tornou uma espécie de casa para mim. Não me lembro de ter passado muitos dias longe dessas paredes azuis desde que comecei o estágio em enfermagem.

Mal entro na recepção do bloco cirúrgico e o dever já chama. Ou melhor, grita meu nome:

- Helena! Helena! - Vou até o balcão onde Andy me chama com um fichário em mãos

- O que tem para mim hoje, Andy? - Dou um leve sorriso com os lábios cerrados - por favor, me fala que é alguma coisa grande o bastante que me deixe ocupada o dia inteiro.

Avalio bem meu amigo. Ele parece ter emagrecido desde que nos encontramos no cemitério, semanas atrás. Os óculos em seu rosto o faz parecer mais sério do que realmente é, além de esconder seus belos olhos castanhos; e essa camisa azul escuro sob o jaleco branco nunca lhe caiu bem. Sempre achei o Andy muito bonito, apesar de toda sua beleza estar escondida atrás de óculos de grau, camisas azuis ou vermelhas que nunca valorizaram seu físico e uma barba malfeita.

Ele avalia o fichário em suas mãos e depois me direciona um balanço de cabeça ao não encontrar nada como o que eu queria.

- Acho que hoje é um daqueles dias sem muito movimento por aqui. Mas tem a senhora do 410 que acabou de fazer uma apendicectomia e precisa de cuidados. Todos os outros estão em alguma cirurgia ou ocupados com outros pacientes, e como eu sei que você ainda está voltando à ativa, - ele larga o fichário e tira um pirulito vermelho de dentro de uma gaveta - vou te dar uma coisa pequena para te obrigar a pegar leve aqui. - Reviro os olhos e ofereço-lhe um sorriso de canto. Pego o pirulito da mão dele e recebo uma piscadela de volta.

Ele me entrega a ficha da paciente junto com um olhar de boa sorte e sinto muito.

- Não é um acidente de carro, mas deve me manter um pouco distante do caos que está sendo minha vida. Valeu, Andy.

- Estou sempre à postos, señorita. - Ele faz uma pequena reverencia antes que eu dê as costas rindo da cara dele.

Saio da recepção e entro no elevador para o andar da minha nova paciente. Uma senhora com uma recém cirurgia de retirada do apêndice não me parece grande coisa.

Dou uma rápida passada de olhos pela ficha e fico a par de algumas informações: Joyce Hamilton, 76 anos. Internada após o apêndice romper no asilo onde reside atualmente. Sem acompanhantes.

Sigo pelo corredor do 4° andar passando por alguns médicos e enfermeiros. Alguns me olham de relance, outro acenam com a cabeça e sorriem, mas nenhum se atreve a dizer sequer um oi.

Ótimo.

Enfim, chego ao quarto 410. Dou duas batidas na porta para informar que estava ali e adentro o cômodo. Joyce Hamilton ainda está sedada. O monitor cardíaco mostra seus batimentos em um ritmo calmo e normal. Reduzo a velocidade com que o soro desce até suas veias e dou uma olhada na ficha de medicamentos que fica no quarto.

- Sem medicação para a senhora agora.

Deixo a ficha na mesa onde estava e arrumo o travesseiro sob os cabelos alvos da Sra. Hamilton. Arrumo os lençóis para deixá-la confortável e aquecida, pego minha revista e início minha leitura no sofá, dividindo minha atenção entre a revista e a Sra. Hamilton.

Filha Do MalWhere stories live. Discover now